Pontos Principais
Condições climáticas desfavoráveis estão afetando a agricultura, com consequências para a segurança alimentar. O Banco Mundial deverá disponibilizar US$ 45 bilhões para mitigar o problema, com parte dos recursos indo para a América Latina.
Segurança alimentar piora na América Latina
No Peru, a escassez de chuvas nas regiões andinas vem impactando o plantio de batata, um dos principais alimentos consumidos no país. No Brasil, novamente vimos preocupações a safra de soja causada por condições climáticas desfavoráveis. Não é só a economia que sofre com isso: as mudanças no clima vêm se tornando um dos principais ingredientes da insegurança alimentar.
Para minimizar o problema, organismos internacionais vêm disponibilizando recursos globalmente. Depois de destinar US$ 30 bilhões em 2022 para combater a insegurança alimentar, o Banco Mundial divulgou recentemente a disponibilização de US$ 45 bilhões para 90 países.
A América Latina e o Caribe, a segunda região do mundo com os maiores índices de insegurança alimentar, deverão absorver parte desses recursos. “O tema se tornou uma agenda dos governos, tal sua importância”, diz Diego Arias, gerente de Agricultura e Alimentos do Banco Mundial na América Latina e Caribe. Veja a entrevista a seguir.
Diego Arias, gerente de Agricultura e Alimentos do Banco Mundial para América Latina e o Caribe. Fonte: divulgação/Banco Mundial
Como os US$ 45 bilhões que o Banco Mundial disponibilizou para reduzir a insegurança alimentar serão utilizados?
O tema da segurança alimentar se tornou uma agenda dos governos. O Banco Mundial trabalha em conjunto com os países para financiar operações em parceria com os governos locais. Esse valor foi baseado no portfólio atual e na demanda crescente para intervenções de segurança alimentar. Também sinaliza para os países que o Banco Mundial está interessado em endereçar esses assuntos.
Fonte: Banco Mundial.
Isso significa que há essa quantidade de recurso disponível, mas sua utilização depende de parcerias feitas com os governos dos países?
Correto. Se olharmos para 2008 ou 2010, quando houve uma crise de segurança alimentar, o Banco Mundial alocou cerca de US$ 2 bilhões investimentos adicionais por ano em segurança alimentar, com uma carteira de US$ 23 bilhões de dólares, bem acima das estimativas originais. Dessa vez, a alocação foi de US$ 45 bilhões, com US$ 22 bilhões em novos empréstimos alocados. Mas sua utilização depende da demanda e do interesse dos países
Por que o Banco Mundial aumentou o volume de recursos disponíveis?
O Banco Mundial deixou de responder a crises e passou a preveni-las. Existe um indicador chamado IPC (Integrated Food Security Phase Classification, na sigla em inglês), que mede o nível se insegurança alimentar nos países. Quando é esperado que o IPC aumente mais que 5%, como está sendo observado, automaticamente aumenta o volume de recursos para a prevenção de crises.
Nos últimos dez anos, a insegurança alimentar começou a aumentar, depois de diminuir durante duas ou três décadas. Essa reversão tem preocupado os países.
E o quanto a insegurança alimentar piorou na última década?
Na América Latina e no Caribe, aumentou de 26%, em média, para 37,5% do total da população afetada. Em países como o Peru, chega hoje a 50%. É muita coisa. Agora, a América Latina só perde para a África em relação à insegurança alimentar.
Fonte: Banco Mundial.
Por que a insegurança alimentar piorou tanto na região?
Há vários motivos. Alguns dos principais são aumentos nos preços dos alimentos e insumos, principalmente fertilizantes e combustível. Outro grande motivo é o impacto das mudanças climáticas na agricultura. Por isso, é tão importante investir em sustentabilidade e resiliência dos modelos de produção agrícola. Mas a segurança alimentar na região também é afetada por deficiências de logística que causam barreiras de mercado para comunidades que vivem em locais remotos, por exemplo. Custos de produção altos são outros fatores dessa equação.
Brasil
Parte dos recursos do Banco Mundial será direcionada ao Brasil?
Sim. Estamos processando agora o portfólio de projetos. Os programas têm foco principalmente em produtores familiares do Nordeste.
Como são esses projetos?
Um deles é o Bahia Que Alimenta, que vai atender agricultores familiares da região. Vamos atuar junto a cooperativas de produtores familiares para que eles possam aumentar a produtividade. Para isso, eles precisam de financiamento adequado. A ideia é fazer um plano de negócios com as cooperativas de produtores familiares para que possam apresentá-lo aos bancos e conseguir financiamento.
Há outras atividades que estamos desenvolvendo. Uma das mais importantes é auxiliar os produtores rurais e se registrar no Cadastro Ambiental Rural, o CRA (nota da redação: até o final de 2023, todos proprietários rurais com imóveis de mais de quatro módulos fiscais, cuja medida varia conforme o Estado, precisaram se regularizar; o prazo foi estendido até o final de 2025 para imóveis com menos de quatro módulos). É um programa de regularização ambiental que segue o Código Florestal brasileiro. Os agricultores brasileiros precisam estar registrados no CRA para ter acesso aos programas de apoio do governo, como o crédito subsidiado. Mas alguns Estados têm poucos agricultores regularizados. E sem isso eles não conseguem acessar nenhum programa governamental.
Como o Banco Mundial vai ajudar os agricultores a se regularizar?
O produtor rural precisa cumprir uma série de requisitos e ir pessoalmente à secretaria de agricultura estadual para alguns procedimentos. Também é necessário comprovar a existência da Reserva Legal, a parte das terras mantida com mata preservada, que precisa ser de pelo menos 20% da propriedade, dependendo de onde a fazenda está localizada. É todo um processo e não é barato para agricultores que estão distantes das capitais. O papel do Banco Mundial será um mix de ajudar os governos estaduais a aprimorar o processo e de financiamento para os produtores rurais percorrem as etapas necessárias.
Ferramentas como o CAR devem ser tornar cada vez mais importantes em um cenário de aumento da demanda por preservação do meio ambiente na produção de alimentos, não?
Sim. Um exemplo é a Lei Europeia de Importação de Alimentos, que deve restringir a importação de áreas com problemas ambientais. Outros países, como a China, podem adotar medidas semelhantes. O que se está tentando fazer com o Brasil é abraçar essas novas regulamentações, que podem se tornar uma tendência no comércio de alimentos, e estabelecer normas e certificações para comprovar para o mercado que os produtos são sustentáveis.
Sustentabilidade
O Banco Mundial tem trabalhado com práticas de agricultura adaptadas às mudanças climáticas em alguns países da região, como a Bolívia. O que são essas práticas?
O conceito de agricultura inteligente em relação ao clima é muito bem definido. A ideia é ter tecnologias e práticas agrícolas que aumentem a produtividade e rentabilidade dos fazendeiros ao mesmo tempo em que possibilitam a mitigação e a adaptação aos impactos das mudanças climáticas.
Como é possível fazer isso?
Uma dessas técnicas é o plantio direto, que gera mais rentabilidade porque o agricultor utiliza menos insumos e mitiga as mudanças climáticas porque reduz as emissões de gases do efeito estufa.
Outra técnica importante é a agricultura de precisão. Há tratores, por exemplo, que aplicam doses muito precisas de fertilizantes e defensivos agrícolas. Isso reduz a quantidade de insumos utilizados, aumenta a produtividade e emite menos carbono.
Mas não existe uma questão de que a agricultura de precisão não é acessível para a maioria dos pequenos agricultores?
É verdade. Estudos mostram que fazendas com menos de 200 hectares têm mais dificuldade em absorver essas tecnologias. Mas hoje há startups trabalhando com agricultores familiares para desenvolver tecnologias mais acessíveis para a agricultura em menor escala. Há potencial para inovações acessíveis aos pequenos agricultores.