Pontos Principais

• Apesar de perdas por seca em alguns estados, Brasil está colhendo a maior safra de milho da história

• Com comercialização mais lenta da soja, há menos espaço nos armazéns para o milho em Mato Grosso

• Déficit de armazenagem é uma realidade, mas complementaridade entre soja e milho e dinamismo do mercado de Mato Grosso amenizam o problema

A colheita da safrinha de milho 2022 chegou na última quinta-feira (30) a 30,7% da área cultivada no Centro-Sul do Brasil, contra 12,2% no mesmo período do ano passado e 23,7% na média de cinco anos, de acordo com levantamento da AgRural. Embora as temperaturas amenas em alguns estados estejam dificultando a perda de umidade dos grãos, tornando assim o avanço da colheita um pouco mais lento do que se esperava, o ritmo registrado até agora é o melhor desde 2019 e significa que quase 25 milhões de toneladas de milho já deixaram as lavouras, a maior parte em Mato Grosso, maior produtor do país.

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Apesar de alguns problemas causados por estiagem em áreas das regiões Centro-Oeste e Sudeste, o Brasil está colhendo agora em 2022 a maior produção de milho safrinha da história, estimada em 86,5 milhões de toneladas pela AgRural e em 88 milhões pela Conab. Por isso, bastou que a colheita avançasse um pouco mais em Mato Grosso, a partir de meados de junho, para que começassem a circular nas redes sociais e na imprensa fotos e vídeos de montanhas de milho armazenado a céu aberto em alguns pontos do estado.

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O Brasil Tem Um Problema Grave de Armazenagem de Grãos?

Falar do forte aumento da produção brasileira de grãos nos últimos anos envolve citar também, quase que obrigatoriamente, os gargalos logísticos enfrentados pelo país – muitas vezes ilustrados com imagens de filas de caminhões, estradas enlameadas e grãos que não cabem em silos já abarrotados.

As dificuldades de transporte têm diminuído nos últimos anos, graças a investimentos públicos e privados em rodovias e ferrovias, melhorias nos portos do Sul e Sudeste do país e construção de novos portos no chamado Arco Norte, mais próximos das áreas produtoras do Centro-Oeste.

A capacidade de armazenagem também tem aumentado. Levantamento da Conab mostra que a capacidade estática de armazenagem cresceu 27% entre 2010 e 2022, saltando de 139,4 milhões para 177,6 milhões de toneladas. O problema é que, no mesmo período, a produção combinada de soja e milho subiu 79%, de 132,7 milhões para 238 milhões de toneladas.

Levando em conta apenas a produção de soja e milho, o déficit de armazenagem do Brasil é, portanto, de 60 milhões de toneladas. Considerando também a produção de arroz e trigo, mais concentrada no Sul do país, o déficit sobe para 79 milhões de toneladas.

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No Centro-Oeste, o déficit de armazenagem de soja e milho nesta safra 2021/22 é de aproximadamente 62 milhões de toneladas. Em seguida aparecem o Nordeste, com 12,7 milhões, e o Norte, com 6,8 milhões de toneladas, pelos cálculos da AgRural. No Sudeste há equilíbrio e, no Sul, superávit de 21 milhões de toneladas, mas apenas devido à forte quebra da safra de soja nesta temporada. Não fosse isso, haveria um leve déficit – isso sem contar a produção de trigo e arroz, já que nesta análise optamos por focar apenas em soja e milho, uma vez que a situação de milho a céu aberto tem ocorrido no Centro-Oeste do país, que produz muito pouco trigo e arroz.

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Em Mato Grosso, a produção combinada de soja e milho nesta temporada 2021/22 é de 79 milhões de toneladas, segundo estimativa da AgRural. A capacidade estática de armazenagem de grãos do estado, por sua vez, é de 39,2 milhões de toneladas, de acordo com a Conab, gerando um déficit, portanto, de quase 40 milhões de toneladas. Um número como esse, claro, chama a atenção quando analisado isoladamente. Deve-se lembrar, entretanto, que a colheita da soja e do milho (no caso de Mato Grosso, praticamente todo produzido na safrinha) acontece em períodos diferentes do ano. Enquanto a soja é colhida entre janeiro e março, o milho sai das lavouras entre junho e agosto.

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Carro-chefe das exportações brasileiras de soja e milho, normalmente Mato Grosso chega ao fim de maio com cerca de 85% de sua safra de soja já comercializada pelos produtores e, portanto, com espaço para receber a safrinha de milho nos silos. Agora em 2022, porém, devido ao ritmo mais lento das importações chinesas e à expectativa de preços mais altos no segundo semestre, que tem feito o produtor vender mais lentamente, a safra 2021/22 de soja estava apenas 71% vendida no estado em 31 de maio. Por isso, com mais soja nos armazéns e uma colheita de milho antecipada e acelerada, o cereal tem sido estocado a céu aberto – nada que já não tenha acontecido em outras temporadas e alternativa muitas vezes usada até mesmo nos EUA.

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Giro Rápido

Como o inverno mato-grossense é muito seco, estocar milho ao ar livre por alguns dias não chega a ser um grande problema. E são poucos dias mesmo, já que o mercado de Mato Grosso é muito dinâmico e tem giro rápido. Mesmo com comercialização mais lenta que o normal agora em 2022, 59% da produção de milho safrinha do estado já estava vendida até 31 de maio. Isso significa que grande parte do cereal que está sendo colhido tem destino certo e já alimenta os canais de exportação, que no caso do milho costumam ter picos em agosto e setembro.

Um dos ingredientes para o sucesso da produção de milho na safrinha, aliás, é justamente a complementaridade logística, que se soma à complementaridade agronômica e econômica. Colhida no começo do ano, a soja ocupa espaço nos armazéns e é escoada via exportação principalmente no primeiro semestre. Já o milho safrinha, que começa a sair das lavouras em junho, entra nos armazéns e em seguida para os portos na segunda metade do ano.

Por conta desses fatores, e ainda que as fotos e vídeos de montanhas de milho a céu aberto chamem a atenção de quem tem pouca familiaridade com a agricultura e a logística do Brasil, uma coisa é certa: está tudo certo com a safrinha de milho 2022 e há cereal suficiente para abastecer o mundo nos próximos meses.