Pontos Principais
Eventos climáticos extremos aumentam 162% em dez anos e causam perdas ao faturamento do agronegócio no Brasil, com impacto para o seguro rural e repercussões na segurança alimentar.
Mudanças climáticas causam perdas na agricultura
A produtora rural Graziele de Camargo, do Rio Grande do Sul, ainda conta as perdas com as inundações que devastaram 70% do Estado no mês passado. Graziele perdeu mais da metade da safra de soja, que estava sendo colhida quando as chuvas chegaram. Ela está longe de estar sozinha.
As enchentes no Sul causaram prejuízos de mais de R$ 1,3 bilhão ao agronegócio – e reacenderam uma importante discussão sobre os impactos das mudanças climáticas no campo.
Graziele de Camargo examina soja após enchente. Foto: Graziele de Camargo.
Esse debate, no entanto, não é novo. Ele só estava adormecido. Há dez anos, um grupo de pesquisadores elaborou o projeto “Brasil 2040: Cenário e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima”, enviado ao governo. O estudo, descontinuado em 2015, previa o aumento de chuvas no Sul e secas em outras regiões, o que de fato se confirmou – na última década, o número de eventos climáticos extremos aumentou 162% em relação aos dez anos anteriores.
Fonte: Serviço Geológico Nacional.
Soluções
Há muita coisa que pode ser feita, desde investimentos em infraestrutura mais resiliente a intempéries climáticas a medidas sustentáveis na agricultura. O que falta é colocar a mão na massa. “Sistemas de alerta precoce e gestão dos recursos hídricos, por exemplo, podem reduzir os danos dos choques climáticos”, diz a ambientalista Natalie Unterstell, uma das autoras do estudo “Brasil 2040”.
Ferramentas de mapeamento de risco agrícola também são essenciais, o que vem atraindo a atenção do poder público. Nos últimos anos, a Embrapa intensificou a atualização do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), ferramenta que traz as janelas de plantio mais adequadas para cada cultura e local em função de análises de padrões de clima e solo.
O período ideal de cultivo de espécie como trigo, aveia e centeio foram revistos em função de mudanças do padrão do clima e outras espécies, como cebola e açaí, foram incluídas. Ao mesmo tempo, o trabalho de campo segue firme para mapear mudanças nas condições climáticas que afetam o solo.
Técnicos da Embrapa analisam condições do solo. Foto: Embrapa.
“No Oeste da Bahia, por exemplo, nossos técnicos vêm observando uma redução da janela para plantio da segunda safra de grãos por causa da escassez de chuvas”, diz José Eduardo Boffino de Almeida Monteiro, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa. A região, que faz parte do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), vem deslanchando na produção de soja e milho, portanto qualquer disrupção requer uma atenção redobrada.
Fonte: Conab.
Prejuízos financeiros
No Nordeste, a Bahia vem liderando os prejuízos na agricultura causados pelo clima. Entre 2015 e 2022, o Estado registrou perdas de R$ 34,7 bilhões. Mesmo assim, ainda é um cenário mais ameno do que o do Rio Grande do Sul, um dos prejudicados na última década, com mais de R$ 50 bilhões em perdas devido a enchentes e secas.
Fonte: Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Regional.
Só em 2022, as mudanças climáticas causaram um prejuízo de 8,7% ao faturamento bruto do agronegócio, em uma escalada que vem aumentando nos últimos anos.
Fonte: Ministério da Agricultura.
Seguro rural
Há ainda outro ponto importante a ser considerado, e que diz respeito inclusive à segurança alimentar e à permanência do produtor rural no campo. Quais instrumentos de gestão de risco de fato estão disponíveis para os agricultores? E até que ponto as seguradoras e os produtores rurais poderão sustentar perdas cada vez maiores?
Com o aumento dos prejuízos nas lavouras, as indenizações têm crescido. Em 2022, foram pagos R$ 10,5 bilhões em seguros, diante de R$ 7,1 bilhões em 2020. Os problemas no Sul devem jogar mais lenha nessa fogueira. Nesse cenário, a tendência pode ser de um seguro mais caro e, portanto, menos acessível ao agricultor.
Fonte: CNseg.
“Já está ficando difícil conseguir segurar toda a colheita, justamente por causa das perdas e do impacto financeiro para as seguradoras”, conta a agricultora Graziele de Camargo, que possui menos de 20% da colheita coberta contra riscos.
Do lado do governo, que subsidia o seguro rural, a situação também não é muito melhor. O valor da subvenção neste ano deve ser semelhante ao de 2023, quando foram liberados quase R$ 930 milhões, bem abaixo dos R$ 2 bilhões pleiteados pelo setor rural. No Brasil, recursos do governo cobrem até 40% do seguro para a maioria das culturas – no caso da soja, o limite varia de 20% a 30%, conforme a região do país.
Fonte: Ministério da Agricultura.
Em um quadro pontuado por um acesso limitado a instrumentos de mitigação de riscos e uma intensificação das mudanças climáticas, não é improvável que parte dos agricultores acabe deixando a atividade. No Sul, é justamente essa é a expectativa. “O alto nível de endividamento dos produtores, que vêm sofrendo com secas e enchentes há três anos, está fazendo alguns repensarem a atividade e buscarem outros meios de vida”, diz Graziele.
Segurança alimentar
Além disso, já começa a acender a luz amarela em relação a altas mais persistentes na inflação dos alimentos e à segurança alimentar, que passa por um momento delicado. Um estudo da FAO mostra que o aumento do preços dos alimentos supera o da inflação em geral em metade dos 166 países analisados.
Fonte: FAO.
A FAO, o Banco Mundial e outras organizações internacionais vêm trabalhando com iniciativas de agricultura sustentável no Brasil e em outros países com o objetivo de tornar a atividade mais resiste a mudanças climáticas. A tecnologia também tem ajudado nesse ponto.
Não faltam bons exemplos pelo mundo. Na Índia, aplicativos estão usando inteligência artificial para previsões mais assertivas do clima e o envio de informações sobre o plantio e a colheita para seguradoras. No Brasil, a Embrapa vem desenvolvendo sementes adaptadas a condições menos favoráveis de clima e solo. Um bom exemplo é o trigo tropical. Outros centros de pesquisa e universidades vêm se debruçando sobre soluções para a adaptação da agricultura a choques climáticos. Já ficou claro que é hora de pisar o pé no acelerador.