Pontos principais:

  • O Brasil deve se tornar um dos maiores exportadores mundiais de milho.
  • O milho brasileiro se tornou mais barato do que o americano.
  • Empresas chinesas buscam fornecedores alternativos para diversificar as importações e garantir a segurança alimentar.

Diretor do Centro de Política Agrícola e Estudos do Comércio da Universidade North Dakota, dos Estados Unidos, o economista Sandro Steinbach é considerado uma das vozes mais respeitadas em relação a cadeias de alimentos globais. No ano passado, ele concluiu um estudo sobre as disrupções das cadeias globais de abastecimento durante a pandemia e seus efeitos sobre as exportações agrícolas dos Estados Unidos.

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Sandro Steinbach, diretor do Centro de Políticas Agrícolas da Universidade de North Dakota

Steinbach também se debruça sobre os possíveis efeitos, no comércio global, de uma produção americana de grãos menos competitiva e como essa dinâmica pode impactar países como o Brasil. A conclusão é que a menos que o Estados Unidos reduza os preços de milho ou a produção brasileira perca competitividade (ambos poucos prováveis), o Brasil deve ver um aumento nas exportações para a China – o maior consumidor mundial.

No final de 2022, Pequim aprovou uma série de empresas brasileiras que podem exportar milho para a China (a lista inclui hoje mais de 400 companhias). Neste ano, o país deve embarcar cerca de 5 milhões de toneladas do grão para os portos chineses – isto representa 10% do total mundial comercializado e 194% a mais do que em 2022.

Apenas em dezembro do ano passado, o país exportou 1,1 milhão de toneladas do grão para o mercado chinês. Em janeiro deste ano, esse volume chegou a quase 1 milhão de toneladas. “Desde maio de 2022, o milho brasileiro se tornou mais barato do que o americano em cerca de 0,05 dólares por quilo, em média”, diz Steinbach em uma entrevista exclusiva ao Czapp.

Leia e entrevista a seguir:

A China está acelerando as importações de milho do Brasil: um dos principais motivos é a perda de competitividade do milho americano? Ficou mais barato comprar o milho brasileiro?

Uma tendência de aumento da diferença de preço entre o milho produzido pelos dois países pode ser observada desde maio de 2022, com o preço de exportação do milho brasileiro ficando mais em conta do que o americano.

É preciso lembrar que desde 2019 uma tarifa adicional de 10% foi imposta pelo governo chinês ao milho americano como parte da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.

A combinação de preços mais altos de exportação americanos e tarifas retaliatórias adicionais têm dificultado a importação por firmas chinesas do cereal produzidos nos Estados Unidos. Essas empresas podem ter começado a buscar fornecedores alternativos com preços mais em conta.

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Fonte: USDA, Comex.

A não ser que os Estados Unidos reduzam o preço de exportação do milho, a China remova as tarifas retaliatórias ou os preços de exportação do milho brasileiro percam competitividade, é provável que a China continue a importar milho do Brasil.

Quão mais barato ficou o milho brasileiro comparado ao americano no ano passado? E você vê essa tendência perdurando no médio e longo prazo?

Desde maio de 2022, o milho brasileiro ficou mais barato do que o americano em US$ 0,05 por quilo, em média. O USDA projeta neste ano uma queda na produção de milho devido a uma redução no consumo doméstico e nas exportações.

As vendas foram lentas em relação ao ano anterior principalmente devido ao aumento dos preços de exportação resultantes de uma oferta de suprimentos limitada e altos gastos com a logística de exportação. Isso aconteceu especialmente com o custo do transporte fluvial na rota do Rio Mississippi até o Golfo do México.

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Fonte: Comex, ComTrade

Se a tendência de diminuição da produção e aumento dos preços do milho continuar nos Estados Unidos, a China deve procurar mais do milho brasileiro e de outros países para atender sua necessidade no médio e longo prazo.

Nesse sentido, a China deve continuar a comprar milho brasileiro no futuro?

Isso é o esperado. A China está diversificando suas cadeias de abastecimento para se tornar menos dependente dos Estados Unidos. Essa é uma lição que aprendemos com a Covid, os desafios do transporte marítimo e a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Os preços de exportação do milho brasileiro ficaram mais baratos do que os americanos nos últimos 12 meses, incentivando as importadoras estatais chinesas a expandir as compras do Brasil.

É comum que as exportações de milho dos Estados Unidos para a China diminuam durante o inverno. Mas o aumento das exportações do Brasil representa uma grande mudança que, dependendo da diferença de preços, continuará existindo no médio e longo prazo. Uma questão adicional que está em jogo é o tamanho da demanda na China. Dependendo da desaceleração da economia chinesa, pode haver uma demanda menor no curto prazo. A demanda por milho brasileiro, no entanto, deve continuar aumentando.

A China está olhando para vários países como parte da estratégia de diversificar sua cadeia de abastecimento de alimentos? O que devemos esperar nesse sentido?

Devemos esperar padrões parecidos com os quais estamos observando agora. Um exemplo é a Ucrânia ter se tornado, antes da guerra, um grande exportador de milho para a China. Essas tendências devem continuar a se intensificar com o aumento das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China.

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Fonte: Banco Mundial

Por fim, os Estados Unidos perderam US$ 10 bilhões com exportações de alimentos durante a pandemia devido gargalos logísticos? Por que isso aconteceu?

Sim. De acordo com nossa análise (Carter et al., 2022), os Estados Unidos perderam cerca de US$ 10 bilhões na exportação de alimentos entre maio de 2021 e janeiro de 2022. A razão não pode ser atribuída somente à pandemia ou problemas com a logística. A pandemia deu início às perdas nas exportações de alimentos dos Estados Unidos, mas não é só isso.

As respostas do governo, o desequilíbrio do comércio mundial, o frete marítimo e a crise dos contêineres também são responsáveis pelas dificuldades logísticas.

Os motivos das perdas com exportações de alimentos podem ser resumidos em quatro pontos principais.

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Fonte: Federal Reserve of Saint Louis.

Primeiro, a taxa de poupança disparou. Desde o início da pandemia, o aumento dos benefícios de desemprego e os pacotes de estímulo da economia, entre outras coisas, fez com que a taxa de poupança pessoal dos Estados Unidos disparasse em cerca de 14 pontos percentuais até setembro de 2021.

A economia adicional permitiu que os americanos tivessem mais de poder de compra para adquirir bens mais duráveis, que geralmente são importados de países asiáticos como a China. Mas os portos da costa oeste ficaram cada vez mais sobrecarregados com os produtos que chegavam, causando congestionamentos e retardando o tempo de retorno dos navios.

Em segundo lugar, a crescente demanda por bens duráveis da Ásia resultou em um aumento substancial nas taxas de frete marítimo. Em janeiro de 2022, as taxas de frete de contêineres da Ásia para os Estados Unidos aumentaram mais de seis vezes em comparação com o período pré-pandêmico, enquanto as taxas de frete dos Estados Unidos para a Ásia permaneceram estáveis.

Essa diferença de preço tornou mais lucrativo enviar os contêineres de volta à Ásia vazios, em vez de ter que esperar vários dias para eles serem carregados com produtos agrícolas americanos.

Em terceiro lugar, a demora no transporte marítimo representou um problema a mais. O tempo necessário para enviar produtos agrícolas da costa oeste dos Estados Unidos para a China chegou a mais de 110 dias em janeiro de 2022, diante de apenas 50 dias em 2019.

Com isso, os agentes portuários ficaram menos dispostos a esperar mais tempo nos portos de países ocidentais por produtos agrícolas. Eles foram atrás de uma rentabilidade maior ao transportar mercadorias da China para os Estados Unidos.

Em quarto lugar, os exportadores agrícolas enfrentaram uma escassez de contêineres. As empresas de exportação de alimentos enfrentaram taxas crescentes de aluguel de contêineres, demurrage (a cobrança adicional pelo tempo de demora do descarregamento de contêineres) e taxas de armazenamento.

Alguns exportadores agrícolas foram forçados a redirecionar os contêineres através do Texas, Vancouver ou da costa leste americana, pagando mais caro. Além disso, muitos embarcadores decidiram cancelar contratos e se recusaram a fornecer contêineres vazios para exportadores dos Estados Unidos, devolvendo-os vazios para a Ásia.

Carla Aranha

Carla joined CZ in 2022 having previously worked at Exame and Valor, leading economic media outlets in Brazil, where she developed projects and news coverage focusing on the agribusiness and commodities markets. Carla is responsible for writing content, providing interesting article´s subjects and reports as well as producing press releases together with the marketing team.

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