Pontos Principais
- Consumo mundial é de cerca de 25,2 milhões de toneladas por ano.
- Brasil deve produzir quase 3,2 milhões de toneladas de pluma de algodão, 24,3% a mais do que na última safra.
- Cadeia global do algodão investe em sustentabilidade.
De roupas a cosméticos, o algodão está presente em mais produtos do que se pode imaginar. A lista é longa. Vai de itens essenciais como sabonete a papel-moeda e biocombustível, para ficar apenas em alguns exemplos.
Fonte: USDA
A demanda global por algodão tem-se mantido globalmente estável nas últimas duas décadas, em cerca de 25 milhões de toneladas por ano.
O Brasil é um dos grandes fornecedores mundiais. O país deve produzir quase 3,2 milhões de toneladas de algodão neste ano, 24,3% a mais do que na safra anterior. Desde 2009/2010, a produção brasileira de algodão aumentou 166%.
Fonte: USDA
As perspectivas também são positivas em relação às vendas externas. O país concorre ao posto de maior exportador mundial, ultrapassando os Estados Unidos.
Na safra 2023/3024, o Brasil deve exportar quase 2,57 milhões de toneladas. Os Estados Unidos, por sua vez, devem embarcar cerca de 2,66 milhões de toneladas, em uma diferença apertada em relação ao Brasil – e inédita. Para se ter uma ideia, na temporada anterior as vendas externas americanas alcançaram quase o dobro das brasileiras, em uma tendência que vinha se repetindo ao longo dos anos. Aqui, cabe a pergunta: o que mudou?
Um dos principais fatores diz respeito às condições climáticas no principal Estado produtor americano, o Texas, que sofreu com uma seca prolongada neste ano. A expectativa é que safras dos próximos anos continuem a enfrentar, em alguma medida, desafios de produção e qualidade devido à onda de calor pela qual as plantações americanas passaram recentemente.
Ao mesmo tempo, o maior produtor (e consumidor) mundial de algodão também sofreu condições adversas nesta temporada. Uma grave seca atingiu a província de Xinjiang, na China, a principal região produtora de algodão do país, aumentando a procura de importações. E, nesse sentido, o Brasil está bem-posicionado.
Hoje, o Brasil representa cerca de 30% das importações de algodão da China, em comparação com menos de 10% há cinco anos, roubando quota de mercado aos Estados Unidos, o principal concorrente do Brasil. Nos próximos anos, as exportações brasileiras para a China deverão superar as americanas, por motivos que vão desde qualidade até preço e questões geopolíticas, com maior aproximação entre China e Brasil.
Se o clima continuar a favorecer o Brasil (e a prejudicar os Estados Unidos), como tem acontecido, poderá haver mais chances de o Brasil assumir consistentemente a liderança nas exportações de algodão nos próximos anos.
Fonte: USDA
Outro ponto importante diz respeito aos investimentos do Brasil em produtividade. Após uma crise no cultivo do algodão no passado, em que vários agricultores brasileiros faliram ou tiveram perdas consideráveis devido a pragas tropicais e dificuldades de manejo, os produtores que permaneceram (geralmente grandes agricultores) começaram a investir mais em tecnologia e programas de cultivo de algodão. Várias iniciativas de controle e manejo de pragas foram conduzidas por institutos de pesquisa e pelo governo.
Com tudo isso, a produtividade aumentou, assim como o interesse por maiores investimentos em sustentabilidade.
Agora, os agricultores brasileiros estão mais entusiasmados do que nunca. O aumento da produção e a expectativa de aumento das exportações têm incentivado os produtores brasileiros a investir no aumento da área plantada. Na safra 2023/2024, a área deverá aumentar 8,4%, atingindo 1,81 milhão de hectares.
No ciclo atual, a produtividade também deve crescer, atingindo cerca de 1,93 mil kg/hectare, resultado 21% superior ao obtido na temporada anterior, segundo a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
“Aqui o algodão é geralmente cultivado em larga escala por grandes produtores rurais, que também plantam soja, com contribuições em novas sementes e técnicas que ajudam a aumentar a produtividade”, afirma Marcio Portocarrero, presidente da Abrapa.
Vale lembrar que, nesse aspecto, o Brasil se diferencia de outros grandes produtores mundiais, como a Índia, que possui a maior área cultivada de algodão do mundo, correspondendo a cerca de 12,6 milhões de hectares (quatro vezes mais que países como Estados Unidos e China).
Mas o rendimento da Índia é muito inferior ao de outros países, incluindo o Brasil – nesta safra, o USDA espera um rendimento de 446 kg/hectare. Na Índia, os agricultores geralmente deixam espaços maiores entre as fileiras de plantas para permitir o controle de pragas e a passagem dos bois, o que prejudica o rendimento.
Para piorar a situação, espera-se que a produção na Índia seja a mais baixa dos últimos 15 anos, também afetando a qualidade. O tempo também não ajudou; A Índia, o terceiro exportador global, que foi afetado pelo El Niño.
Nesse contexto, o preço também acaba sendo impactado, com estimativas menos promissoras para os Estados Unidos, principal concorrente do Brasil. É improvável que o algodão americano ganhe força este ano. Em outubro, os preços ficaram em torno de 87 centavos de dólar por libra-peso, bem menos que nas safras anteriores (estimativas preliminares indicam que a queda pode chegar até 40% em relação aos valores de 2022).
Algodão. Crédito: iStock.
Há outro fator que contribui para a atratividade do algodão brasileiro no mercado internacional. Hoje, cerca de 84% do algodão brasileiro é certificado de forma sustentável, segundo Abrapa
Se a sustentabilidade é valorizada no mercado interno, no mercado externo ela praticamente se tornou um pré-requisito, principalmente nas vendas para grandes empresas do setor de vestuário como Adidas e Nike, além de marcas de varejo. No caso do Brasil, cerca de 70% do algodão vai para outros países, com destaque para China, Bangladesh e Paquistão — estes dois últimos têm se destacado na produção de vestuário.
Fonte: USDA
Os agricultores brasileiros começaram a se debruçar sobre questões ligadas à sustentabilidade há um bom tempo. “Havia uma nuvem de ameaça sobre a exportação do algodão devido a irregularidades do
uso de mão-de-obra e produtos químicos. Os produtores brasileiros se atentaram a essa armadilha e resolveram investir em sustentabilidade para não perder mercado”, diz Portocarrero.
No Brasil, a produção de algodão passou por vários altos e baixos até chegar aos níveis atuais. Na década de 80, o inseto bicudo-do-algodoeiro prejudicou fortemente as plantações no Nordeste, que era um importante polo produtor. Crises econômicas e a abertura do país à importação de têxteis e outros produtos também acabaram impactando os agricultores. Há pouco mais de vinte anos, houve uma retomada da produção, com grandes fazendas no Centro-Oeste cultivando algodão na rotação de culturas com os grãos.
Ao mesmo tempo, a preocupação com iniciativas ESG começou a aumentar. Em 2010, o Brasil tornou-se parceiro do programa Better Cotton, iniciativa mundial de sustentabilidade da cadeia do algodão. O país é considerado referência no setor, ao lado da Austrália, Grécia e Israel, com 370 agricultores cadastrados. Os produtores de algodão gostam de lembrar que a planta tem mil e uma utilidades, o que contribui para indicadores ESG. Enquanto a pluma segue para a indústria têxtil, a fibra é aproveitada para a fabricação de feltros, estofamento e celulose. O caroço é utilizado para a produção de óleo comestível, biodiesel, adubo e ração.
Ações de sustentabilidade também ganham espaço, se estendendo para outras culturas. O VIVE, da Czarnikow, programa de melhoria contínua para a cadeia de fornecimento de ingredientes, conta com parceiros em mais de cem países, entre eles grandes empresas e produtores rurais de diversos países, inclusive do Brasil.
A cadeia do algodão, no entanto, não é imune a desafios – e não só no que diz respeito a práticas cada vez mais sustentáveis. Aumentos de produção demandam soluções mais afinadas para o escoamento e a exportação, o que ainda representa um desafio logístico. A boa notícia é que investimentos em terminais portuários e ramais ferroviários prometem aliviar os gargalos em um futuro próximo – é o que esperam os produtores de algodão e toda a cadeia do agronegócio no Brasil.
A utilização do caroço de algodão para fabricação de biocombustíveis e outros produtos, como óleo para produção de cosméticos e farinha para fabricação de ração animal, também tem estimulado os produtores. A produção, porém, é destinada ao mercado interno.
A nível mundial, embora haja indicações de um pequeno aumento na produção de algodão até 2030, a oferta deverá permanecer relativamente estável. Mesmo com o crescimento da população mundial e a maior necessidade do algodão para a fabricação de uma série de produtos, a concorrência com as fibras sintéticas, utilizadas pela indústria do vestuário, vem freando a expansão da demanda. “Nada indica, até o momento, que haverá mudanças significativas no mercado externo”, diz Portocarrero.