Pontos Principais
- Embrapa vai criar metodologia para medir emissões e captação de carbono da agricultura brasileira.
- Será realizado um inventário de carbono baseado em características da agropecuária brasileira.
- O país deverá elaborar um plano de mitigação baseado nos dados coletados.
Os cientistas brasileiros abraçaram um desafio ambicioso. Pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Agropecuária) vão desenvolver uma metodologia para medir as emissões e absorções de carbono da agropecuária tropical.
Fonte: EDGAR (Emission Database for Global Atmospheric Research of European Comission)
O objetivo é definir parâmetros do balanço de carbono levando em conta características do agronegócio brasileiro como a recuperação de pastagens e o sistema lavoura-pecuária, em que há uma rotação entre a criação de gado e o cultivo de culturas agrícolas. Essas práticas ajudam a mitigar a emissão de CO2, segundo os cientistas envolvidos no projeto.
Um dos maiores objetivos do projeto é elaborar um plano nacional de mitigação dos gases do efeito estufa com base nos dados que serão coletados e incentivar os produtores rurais a investir mais em práticas sustentáveis. “Precisamos de uma visão mais aprofundada de nosso balanço de carbono até em função da demanda internacional sobre sustentabilidade”, diz Giampaolo Queiroz Pellegrino, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital e presidente do comitê gestor do portfólio de Mudanças Climáticas da Embrapa. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista com Pellegrino.
Giampaolo Queiroz Pellegrino, pesquisador da Embrapa. Fonte: divulgação/Embrapa.
Como o projeto está estruturado?
O objetivo final é criar uma plataforma de dados sobre emissão de carbono e ações de mitigação. Isso ajudará a desenvolver um plano para reduzir as emissões. É um programa de longo prazo, até porque as medições de resultados exigem um intervalo de tempo abrangente. Além disso, são medições complexas, que envolvem a amostragem de carbono encontrado no solo e no ar. O esforço inicial, neste ano, é a estruturação do projeto. Isso inclui desde coletas em campo a trabalhos realizados em laboratório e investimentos em equipamentos. Estamos contemplando também o desenvolvimento de novas técnicas, mais ágeis e eficientes, de mensuração de emissões de carbono.
Como são feitas as medições de emissão de carbono hoje no Brasil?
O método padrão para medir o carbono no solo pressupõe que a coleta de carbono seja feita em várias camadas no solo e em vários pontos do terreno. É necessário abrir trincheiras no solo de 3 ou 4 metros de profundidade. Tem que fazer repetições e novas amostragens ao longo do tempo. São usadas também câmaras que estocam o gás que está saindo solo. Todas essas amostras são analisadas em laboratório.
Mas já existem técnicas alternativas, a laser, nas quais é possível reduzir muito a quantidade de amostras. A intenção do projeto também é melhorar essas tecnologias e torná-las mais acessíveis.
Análise de mostra de solo. Crédito: iStock.
Como outros países fazem as medições das emissões de gases do efeito estufa?
Os países menos desenvolvidos são os que fazem as medições mais simples. Se o país não tem condição de realizar amostragens e mensurar com mais detalhes as emissões de carbono, só vai conseguir reportar o tamanho da área de pastagem e da área ocupada pela agricultura. Esse é a forma mais rudimentar de calcular o carbono emitido, em que não são levados em conta fatores como técnicas de manejo do gado, por exemplo.
Em um nível um pouco mais elevado, o país consegue realizar medições um pouco mais detalhadas e demonstrar as emissões e captura de gás carbônico através de trabalhos científicos. São países que conseguem fazer, por exemplo, um levantamento em determinadas regiões. Esse é caso do Brasil. É bom lembrar que esses dados são enviados ao IPCC, o painel internacional do clima, que reúne as informações disponibilizadas por todos os países.
Fonte: EDGAR (Emission Database for Global Atmospheric Research of European Comission)
De que forma os países desenvolvidos fazem o inventário de carbono?
Eles usam formas de cálculo e modelos matemáticos mais sofisticados. São utilizados conjuntos de dados que simulam os processos da geração de carbono e do quanto foi capturado de CO2 pelos diversos sistemas agrícolas e pela pecuária. Para chegar nesse ponto, precisa investir muito em pesquisa. Vale a pena chegar nesse nível porque os modelos de emissão mais básicos não representam adequadamente a realidade do que foi capturado de carbono, ou seja, do quanto deixou de ir para a atmosfera. Países como os Estados Unidos e a Alemanha trabalham dessa forma.
Essa adequação às particularidades do agro brasileiro é o que a Embrapa pretende fazer, não?
Sim. O importante é termos um retrato mais realista das nossas emissões e das práticas de mitigação.
Sem saber de fato o quanto cada cultura emite de carbono, não é difícil planejar ações de mitigação? O trabalho da Embrapa também vai envolver esse planejamento?
Sim. Essa questão de mensurar as ações de mitigação acaba dependendo do que o país em questão tem condições de fazer em termos de medição. Aprimorar o modo como são feitas as medições é fundamental, até para o planejamento de ações mais efetiva de combate aos gases do efeito estufa.
O tema do controle de emissões hoje tem a ver inclusive com novas normas de importação de alimentos que levam em conta a sustentabilidade, não?
Isso é verdade. A nova lei europeia de importação de alimentos é um exemplo disso. Será preciso comprovar que os produtos agrícolas são pouco emissores de carbono. As novas métricas com as quais estamos começando a trabalhar vão nos permitir fazer uma análise das formas de mitigação das emissões e do risco ambiental, o que vai ser importante inclusive para esse contexto internacional que estamos falando.
Fonte: EDGAR (Emission Database for Global Atmospheric Research of European Comission)
Com isso, vai ser possível montar um plano de monitoramento das emissões de carbono e das formas de mitigação?
Sim. Ao longo do tempo, vamos repetir as medições nos mesmos locais para verificar o que evoluiu e onde temos problemas, utilizando indicadores e formas de cálculo mais sofisticadas. A ideia é ter um plano nacional para medir as emissões e a mitigação de carbono. Pretendemos também fazer a transferência de tecnologias e boas práticas para nossa rede, que inclui produtores rurais, pesquisadores, universidades e uma série de organismos nacionais e internacionais. Tudo isso tem a ver também com a questão das mudanças climáticas, já que as boas práticas na agropecuária são importantes para combater as alterações no clima.
Você pode dar alguns exemplos de boas práticas?
Há a recuperação de pastagens degradadas, a utilização de bioinsumos, o sistema de plantio direto, a integração lavoura-pecuária, a recuperação de florestas. São diversos tipo de ação.
E essas ações vão entrar nos cálculos do balanço de carbono que começarão a ser desenvolvidos?
Com certeza. Isso depende de métricas mais sofisticadas, projetos de pesquisa e o aprimoramento de tecnologias, mas vamos fazer.