Pontos Principais
- Estatal chinesa participa pela primeira vez de construção de ferrovia no Brasil.
- Objetivo é aprimorar rotas de exportação de alimentos.
- China também investe no porto de Santos e Paranaguá, além de sondar oportunidades em outros terminais.
A cidade de Ilhéus, na Bahia, foi palco de uma cerimônia inédita em julho, quando um grupo de representantes do governo brasileiro e de uma importante estatal chinesa lançaram a pedra fundamental da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol). O ato contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que posou para fotos ao lado de executivos da China Railway, uma das maiores empresas de construção civil do mundo, encarregada das obras do trecho inicial da ferrovia, na Bahia.
Ferrovia em construção. Crédito: iStock.
É fácil entender a importância da nova malha ferroviária, que deve ser inaugurada em 2027. A Fiol deve facilitar o escoamento de grãos produzidos na região conhecida como Matopiba (que inclui o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a nova fronteira agrícola brasileira. A ferrovia vai ligar Figueirópolis, no Tocantins, a Ilhéus, onde deverá ser construído um terminal portuário. O objetivo é facilitar o escoamento da produção agrícola da região, que passa por uma grande expansão.
Fonte: Conab
O Matopiba deve produzir cerca de 35,2 milhões de toneladas de grãos na temporada 2022/2023, o que representa um aumento de 12% em relação ao ciclo anterior, e deve crescer 27% nos próximos dez anos. No Brasil todo, a produção de grãos deve chegar a quase 400 milhões de toneladas em 2032, 23% a mais do que neste ano. É um crescimento e tanto – e que não interessa só ao Brasil.
Fonte: Federal Reserve (FRED) St. Louis
Maior país do mundo, com 1,4 bilhão de habitantes, a China tem motivos de sobra para estar de olho na logística de exportações brasileira, da qual depende fortemente. O crescimento econômico da China, de 6,3% em média por ano na última década, impulsionou a expansão da classe média chinesa e a maior necessidade pela importação de alimentos, algo que deve perdurar no médio e longo prazo.
Nesse cenário, a segurança alimentar tem sido um importante ponto de atenção do governo chinês. Desde a ascensão de Xi Jinping ao poder, em 2013, o tema ganhou ainda mais importância. Em abril deste ano, o governo chinês anunciou um novo programa de subsídios da ordem de US$ 1,46 bilhão para produtores de grãos, alimento essencial dos rebanhos, depois de oferecer quase US$ 5 bilhões aos agricultores no ano passado. Um dos objetivos é turbinar a produção de soja.
Mas, mesmo que o aumento da produção da commodity chegue a 80% nos próximos dez anos, como espera o governo chinês, subindo de 20,3 milhões de toneladas para 36,7 milhões, ainda assim a China terá que importar muito grão, além de outros alimentos. Hoje, o país compra no mercado externo 80% de toda a soja que consome.
Cerca de 44% dos grãos que a China importa vêm do Brasil (30% são produzidos nos Estados Unidos). Em relação ao açúcar e à carne, essa dependência é ainda maior. Por volta de 90% de todo o açúcar importado pela China é produzido no Brasil, além de 60% das carnes.
Nesse contexto, o interesse da China pela logística de transportes pela brasileira é até natural. Afinal, enquanto a produção agrícola vai de vento em popa no Brasil, com safras recordes, a infraestrutura logística continua sendo o calcanhar de Aquiles do agronegócio brasileiro. “Em um contexto de segurança alimentar, faz todo o sentido para a China investir na melhoria da infraestrutura brasileira a fim de facilitar a exportação de mercadorias”, diz o economista Hsia Sheng, professor de finanças internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Em outras palavras, não adianta só contar com o Brasil como um grande produtor de alimentos. É preciso garantir que os alimentos atravessem o oceano com uma eficiência e previsibilidade crescentes.
Fonte: ANTT
Hoje, o escoamento da produção agrícola brasileira é feito principalmente por estradas, responsáveis pelo transporte de cerca de 85% dos alimentos, segundo a Confederação Nacional de Transportes (CNT). Muitas vezes, transitar pelas rodovias é uma missão inglória. Apenas 14% da malha rodoviária brasileira é pavimentada.
E 67% das estradas, incluindo as asfaltadas, apresentam condição ruim ou regular, com deficiências como buracos na pista e falta de acostamento, segundo uma pesquisa da Nacional dos Transportes (CNT). Isso resulta em um aumento de custo operacional de cerca de 33%, com despesas como manutenção do veículo e maior consumo de diesel por quilômetro rodado.
Com a Fiol, que atraiu a atenção da China, e outras malhas ferroviárias previstas para entrar em operação nos próximos anos, deve haver uma redução de custo e um ganho de previsibilidade na chegada das cargas aos portos. “A economia de custo do transporte ferroviário é de no mínimo 5%, podendo chegar a 30% conforme o trecho e o volume transportado”, calcula Thiago Guilherme Pêra, coordenador do Grupo ESALQ-LOG da Universidade de São Paulo.
A interligação de diversos modais de transporte, como o ferroviário e o portuário, também representa uma vantagem competitiva. Não à toa, a China deve participar também da construção do porto de Ilhéus (e não só da ferrovia), apontado como uma nova rota de escoamento da produção agrícola do Matopiba.
Trata-se de uma obra mais do que esperada, assim como a ampliação de terminais portuários no país. Com o aumento da produção agrícola, os portos vêm apresentando congestionamentos crescentes. Em agosto deste ano, por exemplo, 8 milhões de toneladas de grãos e açúcar chegaram ao porto de Santos, que possui capacidade operacional para apenas algo ao redor de 7 milhões de toneladas. Como resultado, houve um congestionamento de navios e atraso nos embarques. A soja precisou esperar 18 dias para ser embarcada, 7 dias a mais do que nas últimas cinco safras.
Nesse contexto, melhorias nos portos são essenciais. Embora sem fazer alarde, a China vem participando ativamente desse processo. No ano passado, a COFCO, multinacional chinesa com mais de 11 mil funcionários e escritórios em 37 países, venceu o leilão para explorar o terminal STS 11, comprometendo-se com investimentos da ordem de R$ 764 milhões. Um dos principais objetivos é aumentar a capacidade operacional de 3 milhões para 14 milhões de toneladas. As obras começaram em agosto deste ano e a primeira fase deve ser concluída em 2025.
O interesse da China pelo porto de Paranaguá, no Paraná, o segundo maior do país, é até mais antigo. A China Merchants Group, empresa de logística e operações portuárias chinesa, adquiriu 90% do terminal de contêineres do porto de Paranaguá por cerca de US$ 925 milhões em 2017.
A operação, que representou o primeiro investimento da China Merchants na América Latina, possibilitou o aumento da capacidade operacional do terminal de 1,5 milhão de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) para mais de 2,4 milhões de TEUs por ano. “O Brasil é um dos mais importantes parceiros estratégicos da China e uma contraparte de comércio na América Latina. A transação serve para atingirmos nossos objetivos comerciais e fortalecer a cooperação estratégica entre o Brasil e a China”, disse Hu Jianhua, vice-presidente da China Merchants, na ocasião.
Outro porto importante para as exportações do agronegócio brasileiro tem chamado a atenção da China. Apontado como um dos pontos estratégicos para a expansão da nova Rota da Seda, projeto de logística chinês que pretende ampliar o comércio internacional, o porto de Itaqui, no Maranhão, vem recebendo autoridades chinesas, embora ainda não haja projetos concretos.
Hoje, cerca de 15% dos grãos exportados pelo Brasil são escoados pelo porto de Itaqui, que vem ganhando importância – em 2022, foram movimentadas 33,6 milhões de toneladas de carga, com a soja e o milho respondendo por 18 milhões de toneladas, 8% a mais do que em 2021.
A expectativa é que o escopo de investimentos de Pequim aumente. Representantes do governo chinês têm mantido reuniões em Brasília, junto ao Ministério de Transportes e outros organismos federais, e com governadores. Em agosto, por exemplo, executivos da China Railway se reuniram com o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Júnior, para discutir projetos como o da Nova Ferroeste, que deve ligar Guarapuava (Paraná) a Dourados (Mato Grosso do Sul). Por enquanto, são conversas preliminares. Mas, dado o interesse da China por projetos de infraestrutura relacionados ao transporte de alimentos, o futuro pode ser promissor.