Pontos Principais

O Brasil deverá aprovar em breve o projeto de lei Combustível do Futuro. Ele foi criado para incentivar a produção e o uso de combustíveis sustentáveis. Entre as propostas, estão metas para aumento da mistura de etanol na gasolina e para o uso de biometano e SAF.

Maior economia da América Latina, o Brasil abraçou a descarbonização. Em março, o Congresso aprovou a lei conhecida como Combustível do Futuro, que incentiva a produção de combustíveis sustentáveis, como o biodiesel, biometano e SAF. A nova norma, que seguiu para votação no Senado, também amplia a mistura de etanol à gasolina.

Entre outros pontos, a lei eleva o teor da mistura do biodiesel ao diesel em 20% até 2030 e cria programas de descarbonização do gás natural e da produção do SAF, o combustível sustentável de aviação. O mercado já começou a se movimentar, com perspectivas de novos negócios.

Analisamos os principais aspectos e desafios da nova legislação.

Biometano

Nos últimos anos, o Brasil decolou na produção do biogás. Mais de 800 unidades produtoras de biogás estão em operação no país, o que corresponde somente a 2% do potencial brasileiro de acordo com Associação Brasileira do Biogás (Abiogás). 

Fonte: CBiogás.

A produção de biometano, obtido a partir da purificação do biogás (produzido através da decomposição de matéria-prima orgânica), ainda é incipiente: há apenas 20 plantas em operação. A boa notícia é que a nova legislação deverá turbinar as perspectivas de crescimento do setor. Considerado um gás com alto poder de combustão, o biometano pode ser utilizado como um substituto do GNV (gás natural veicular) para o abastecimento de veículos. O biogás, por sua vez, é empregado na geração de energia elétrica e também pode substituir o gás natural. 

De acordo com as novas regras, 10% do gás comercializado no Brasil deverá ser composto por biometano até 2034. Haverá um aumento paulatino, com a obrigatoriedade de um percentual de 1% de biometano no gás natural a partir de 2026.

Para chegar lá, o país vai precisar correr na produção do gás sustentável. De olho nas oportunidades, o mercado está se movimentando. A Atvos divulgou recentemente a intenção de construir sua primeira planta de biometano em Nova Alvorada do Sul, no Mato Grosso do Sul, onde já produz etanol. Ao mesmo tempo, o governo do Mato Grosso do Sul assumiu o compromisso de reduzir o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) do biometano de 17% para 1,8%.

Há outros projetos em andamento. A japonesa Mitsui e a brasileira Geo anunciaram em abril a criação de uma joint-venture para produzir biogás e biometano através do aproveitamento de resíduos da cana-de-açúcar. Hoje, o agronegócio é responsável pela maior parte da produção de biogás no Brasil. 

Fonte: CBiogás.

O mercado também discute os desafios do setor e da nova legislação. Um dos principais pontos é a definição de uma política de incentivos para a produção de biometano, o que deverá objeto de discussão no Senado. Outro aspecto importante é o desenvolvimento de novas tecnologias e o ganho de escala necessário para reduzir o custo do biometano, mais alto do que o gás natural, e facilitar sua inserção no mercado.

SAF

A Lei do Combustível do Futuro também institui o Programa Nacional de Combustível de Aviação. O objetivo é incentivar a produção de SAF, principalmente a partir de etanol.

De acordo a nova legislação, a partir de 2027 os operadores aéreos precisarão reduzir suas emissões de gás do efeito estufa em voos domésticos utilizando o SAF. As metas de redução das emissões vão aumentar gradativamente, começando com 1% em 2027. A ideia é chegar a até 10% em 2037.

Fonte: Anac

A lei prevê algumas flexibilizações sobre o cumprimento das metas, sob fiscalização da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Companhias aéreas que não contarem com acesso ao SAF nos aeroportos em que operam, por exemplo, poderão estar dispensadas de atender o cronograma das reduções de emissões. 

Hoje, o SAF representa menos de 1% do combustível de aviação no mundo, mas sua produção vem crescendo globalmente. Além das questões de sustentabilidade, um aspecto que beneficia a produção de SAF é o fato de que seu uso não exige grandes modificações nos motores das aeronaves e na infraestrutura de abastecimento. 

A indústria de etanol está especialmente atenta às oportunidades. Algumas usinas, como a Raízen, Zilor, São Martinho e Ouroeste já obtiveram a certificação ISCC Corsia Plus, que garante os requisitos internacionais necessários para a produção de SAF, e se preparam para entrar nesse mercado.

A Brasil BioFuels, por sua vez, deve investir R$ 2 bilhões até 2026 para produzir SAF na Zona Franca de Manaus. A Petrobras também está se mexendo. A empresa divulgou investimentos da ordem de R$ 600 milhões para a produção de SAF e biodiesel. A Raízen, por sua vez, já está a procura de um local para montar sua unidade produtora de SAF.

Boa parte do mercado, no entanto, aguarda definições sobre eventuais incentivos para a produção de SAF, mencionados na Lei do Combustível do Futuro. Também falta esclarecer como será feita a metodologia de cálculo da redução de emissões, que ficará sob responsabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Aumento da Mistura de Etanol

Uma outra pauta que o Projeto de Lei aborda é o aumento da mistura de anidro na gasolina. Desde março de 2015, a mistura de anidro na gasolina é de 27%. Na época, a lei foi alterada para permitir que o intervalo da mistura fosse até 27,5%. Hoje, o projeto de lei pede que o intervalo seja revisto: mínimo de 22% e máximo de 35%. 

Uma vez aprovado, muitos acreditam que até a próxima safra (2025/26) a mistura do anidro deve ser determinada em 30%. E futuramente, se tiver oferta suficiente, poderia subir até o limite de 35%.

Para se ter uma ideia de grandeza, hoje com 27% de mistura, a demanda nacional por etanol anidro é de 12.4bi litros. Assumindo a mesma demanda por combustíveis e o mesmo share de etanol hidratado de 2023, para cada 1p.p de aumento na mistura, a demanda adicional de anidro é de quase meio bilhão de litros. 

Em 2024/25, mesmo com o aumento da produção de etanol de milho, a oferta total de etanol anidro deve ficar em 12.2bi litros. 

Biodiesel

Em 2024, a mistura obrigatória de biodiesel no diesel combustível passou de 12% (B12) para 14% (B14).

Com o projeto de lei, a obrigatoriedade passará a ser 15% em 2025 (B15), meta que antes só era estimada para 2026. A partir de então, o objetivo será de aumentar 1 ponto percentual a cada ano seguinte, chegando em 20% de mistura em março de 2030. Mas esse aumento é viável?

A principal matéria prima para a produção de biodiesel hoje é o óleo de soja. Atualmente, com a obrigatoriedade de 14% de biodiesel no diesel, o Brasil demanda mais de 9.3 milhões de metros cúbicos de B100 para a mistura, valor que deverá atingir 15 milhões de metros cúbicos para que se atinja os 20% em 2030. 

Fonte: Abiove

A grande questão gira em torno da soja. Hoje, 5.7 milhões de metros cúbicos de óleo de soja são produzidos para atender a demanda de biodiesel, que, em grãos, representam 26.5 mmt. Para alcançar os 20% de mistura, a Indústria de óleo de soja precisará de 49.2 mmt de soja em grãos – 22.8 mmt a mais do que a demanda atual. 

Dessa forma, o share total da produção de soja que é destinado para a produção de Biodiesel (B100) saltaria de 17% para 31%. 

Em relação ao impacto nos preços do diesel na bomba, pouca mudança é esperada pelo mercado até o momento. O preço do biodiesel se encontra em queda desde julho de 2022, operando com curta diferença entre o preço do diesel fóssil. A cotação vem sendo pressionada pela grande oferta de soja mundial e baixa na cotação do grão (dado que o preço do biodiesel é atrelado ao preço do óleo de soja).

Assim, mesmo com o preço do biodiesel sendo maior do que o do diesel, especialistas estimam que o aumento de 2 p.p na mistura não deve impactar significativamente no preço final para o consumidor. A não ser que o preço volte a subir… 

Fonte: ANP.

Além disso, o PL terá impacto direto nos negócios da Petrobrás, que já demonstrou preocupação com as ações. A maior demanda de biodiesel para atender a nova mistura afetará negativamente a demanda pelo diesel, prejudicando os investimentos da companhia – que detém 79,9% do fornecimento de diesel às distribuidoras do país. 

Ana Zancaner

Ana graduated from Insper University Sao Paulo in 2013, with a bachelor’s degree in business administration. She joined CZ as an intern in 2013 and is now our senior analyst in our Sao Paulo office. At CZ she is responsible mainly for analysis of the Brazilian sugar and ethanol sector but supporting other consulting requests as well.

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