Pontos Principais
- Norma proíbe importação de alimentos de áreas com desmatamento.
- Novas auditorias e processos de rastreabilidade podem impactar custos.
- Brasil, principal fornecedor de produtos agropecuários para a Europa, se prepara para nova regulamentação.
A perspectiva é tentadora. A partir de dezembro de 2024, alguns alimentos vendidos nos supermercados europeus, como café e chocolate, vão precisar vir de áreas sem desmatamento. É o que diz uma nova lei, aprovada em abril pelo Parlamento Europeu, que proíbe a importação de produtos agropecuários de locais com derrubada de mata nativa. A norma, prevista para entrar em vigor em um ano e meio, regulamenta a importação de café, cacau, soja, carne bovina, borracha, óleo de palma e madeira.
Fonte: FAO
No Brasil, maior fornecedor de alimentos para a União Europeia, a nova legislação tem ocupado o centro do debate sobre novas demandas do comércio internacional e das exportações de commodities, essenciais para a balança comercial brasileira. Em 2022, as commodities (com destaque para a soja, petróleo bruto e minério de ferro) representaram 68% das vendas externas, gerando cerca de US$ 227,2 bilhões. Só a soja foi responsável por US$ 46,6 bilhões das exportações (quando se inclui farelo de soja e óleo, o total chega a US$ 60,9 bilhões), 20,8% a mais do que em 2021.
Fonte: Comex
Nesse cenário, qualquer movimentação na União Europeia, segundo maior destino dos embarques do agronegócio brasileiro (atrás apenas da China), traz atenção e cuidados redobrados. A respeito da nova lei sobre a importação de alimentos, pairam algumas dúvidas. Ainda não está claro, por exemplo, qual deverá ser o grau de sofisticação do rastreamento de cadeias produtivas e de práticas de sustentabilidade.
“Poderá haver custos adicionais com auditorias mais sofisticadas”, diz o advogado Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, especializado em negociações internacionais, meio ambiente e sustentabilidade na agropecuária. “De qualquer forma, trata-se de uma norma de comércio que poderá ser adotada pelos Estados Unidos e a China, portanto os países produtores de alimentos precisarão se adequar”. Leia a entrevista a seguir.
Rodrigo Lima, advogado especializado em comércio internacional. Foto divulgação.
Como o Brasil está se posicionando em relação à nova lei europeia?
Primeiro, é importante entender a posição da Europa. A União Europeia é um grande importador de alimentos e, se não houver um controle do desmatamento associado à produção agrícola, não será possível cumprir metas de descarbonização. Deveríamos usar essa nova lei como uma oportunidade de nos preparamos melhor para uma nova demanda que está surgindo. Países como o Reino Unido e os Estados Unidos também estão se movimentando no mesmo sentido. No futuro, a China também poderá fazer o mesmo. De forma bem resumida, o que a Europa está pedindo é que as leis ambientais sejam respeitadas.
Fonte: Prodes
Como a nova diretriz irá funcionar na prática?
A União Europeia vai definir países e áreas de maior risco ou menor de desmatamento. Caberá ao importador decidir de quem ele vai comprar, o que tem a ver com o grau de risco que ele deverá enfrentar. Outro ponto importante é que haverá multa para os importadores que comprarem alimentos de áreas com desmatamento. Convém esclarecer que se trata de uma norma extraterritorial. Então, a União Europeia está regulando algo em outros territórios, o que pode ser questionável do ponto de vista do direito internacional. É uma bela discussão jurídica.
A lei não faz distinção sobre desmatamento legal e ilegal, certo?
A lei versa sobre a produção de alimentos em áreas com desmatamento praticado até 31 de dezembro de 2020, seja permitido ou não pela legislação do país produtor. No Brasil, temos uma lei que discorre sobre a porcentagem de supressão de vegetação em cada bioma, o Código Florestal. Na Amazônia, por exemplo, é preciso preservar 80% da área da propriedade rural. Mas a nova lei europeia de importação de alimentos diz que não poderá haverá desmatamento, independentemente se é legal ou ilegal.
Nesse sentido, essa lei pode ser interpretada como um entrave à expansão de novas áreas agrícolas?
Sim. Países como a Malásia e a Indonésia estão argumentando que a nova norma europeia restringe o acesso a mercados internacionais. Essa é uma questão que poderia gerar longas discussões na OMC (Organização Mundial do Comércio). Mas é preciso lembrar que esses debates duram anos.
Quais critérios serão utilizados pela União Europeia para definir o que são áreas de risco?
Vai ser o histórico recente de desmatamento. A Amazônia, por exemplo, deverá ser uma área de risco elevado, o que poderá causar um problema para um estado como o Mato Grosso, que é um grande produtor de grãos. Ainda não sabemos se a União Europeia vai distinguir biomas dentro de um mesmo Estado. Falo isso porque o Mato Grosso tem tanto floresta amazônica como Cerrado. Mas não quer dizer que será proibido comprar daquele local. Significa que haverá um risco maior e a fiscalização, por parte da União Europeia, será mais rígida.
Fonte: Prodes
O produtor de áreas de risco precisará comprovar de forma mais contundente que não está envolvido com desmatamento?
Sim. O mais provável que é o produtor precise fazer um processo de certificação e auditoria, algo que gera um custo. Toda a cadeia precisará ser certificada. A norma inclui importação de carne bovina, em que será preciso certificar inclusive os produtores de grãos. E aí vem a dificuldade. Em relação a produtos de maior valor agregado como o café, em que a certificação é um diferencial pelo qual os consumidores estão dispostos a pagar, não chega a ser um problema. Mas não é bem assim em relação a commodities como a soja. E há uma complexidade logística também.
Que tipo de complexidade?
A lei diz que cada polígono de produção de agrícola precisa estar de acordo com as regras ambientais e deve ser rastreável. E rastrear a produção e exportação de commodities não é fácil. Um navio carregado de soja reúne a produção de centenas ou milhares de fazendas, de várias regiões do país. Isso sem falar nos caminhões que param nos silos de várias tradings para serem carregados. Toda essa soja é misturada nos silos, caminhões, trens e portos. A logística é assim no mundo todo.
Embarque de soja no porto de Santos. Foto divulgação.
Como se resolve isso?
O importador vai exigir uma série de medidas para gerir o risco. A União Europeia precisaria ter um cuidado grande com a questão de que essas exigências vão gerar custos e o produto poderá chegar mais caro na Europa. Em reuniões com empresas, tenho perguntado o grau de complexidade para gerir os riscos. O que tenho ouvido é os requisitos serão obedecidos. Mas haverá custos.
Nesse cenário, pequenos e médios produtores podem ser excluídos das exportações?
Sim. Pequenos agricultores podem ficar de fora das exportações para a Europa por falta de recursos para investir em rastreabilidade e certificações mais sofisticadas. Isso vale também para pecuaristas de pequeno e médio porte. Por isso, muitos se perguntam se a nova lei europeia no fundo não é uma forma de protecionismo. É um ponto que está sendo levantado. Se a ideia é ajudar a controlar o desmatamento no mundo, excluir produtores talvez não contribua para isso.
E há várias causas para o desmatamento, não?
Claro. O desmatamento não acontece apenas por causa da pecuária. Os dados mostram que há derrubada de vegetação em terras públicas, sem falar na mineração e ilegalidades em relação ao corte e comercialização de madeira. Há atividade criminais. Será que a nova lei europeia vai acabar com o desmatamento no mundo ao relacioná-lo apenas à produção de alimentos? O consumidor europeu precisa ser provocado sobre essa questão. Essa visão de que o vilão é o agronegócio tem um alcance restrito para controlar o problema.
O Código Florestal pode ajudar a reduzir o risco ambiental do Brasil em relação à lei europeia?
Pode, mas precisamos evoluir nesse ponto. O Código Florestal é uma lei que exige preservação de mata nativa, de acordo com uma série de requisitos. Há um instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), no âmbito do Código Florestal, com dados de conservação ambiental das propriedades rurais.
Cada Estado tem a sua plataforma de CAR e muitos ainda precisam avançar mais. Mas certamente esse sistema tem potencial para ser uma grande ferramenta de mitigação de rico ambiental.
O Brasil pode intensificar o comércio com outras regiões do mundo por causa de dificuldades de vender para a União Europeia?
Nunca vamos abrir mão da Europa como parceiro comercial. É um grande cartão de visita exportar para a Europa e o continente europeu é importante para as exportações do nosso agronegócio. Mas se começar a ter muito empecilho e custo, os produtores podem começar a vender mais para quem facilita as vendas. É uma questão de mercado. De qualquer forma, ainda há pontos da lei a serem esclarecidos e o Brasil irá se adequar aos novos padrões.