Pontos Principais
No início de dezembro, o Mercosul e a União Europeia fecharam um importante acordo de livre comércio. O tratado, que ainda precisa ser votado no Parlamento Europeu, deve aumentar o fluxo de comércio entre o Brasil e a Europa em 5,1% ao ano.
Tratado de livre comércio entre o Mercosul e UE é concluído
Depois de 25 anos de negociação, os países do Mercosul (formado pela Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia) e a União Europeia finalmente chegaram a um consenso sobre o tratado de livre comércio entre os dois blocos.
Anunciado no início de dezembro, o acordo deve intensificar o fluxo comercial entre o Brasil, principal economia da América Latina, e os 27 países da União Europeia, que representa um dos principais destinos das exportações brasileiras.
Fonte: Comex.
Juntos, o Mercosul e a União Europeia somam um PIB de US$ 22 trilhões. O governo brasileiro estima que o acordo deverá aumentar o comércio com a Europa em 5,1% por ano quando estiver totalmente implementado – o que deve levar algum tempo.
Agora, o acordo passará por uma revisão jurídica e tradução para todos os idiomas da União Europeia. Nos próximos anos, deverá ser votado no Parlamento Europeu, onde deve enfrentar alguma resistência.
Países com uma agricultura protegida, como a França, vem se posicionando contra o tratado. “Questões protecionistas estão em jogo, mas fortes economias como a Alemanha enxergam no acordo uma boa oportunidade para ampliar as exportações”, diz Welber Barral, sócio da BMJ Consultoria e ex-secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Conversamos com Barral sobre os principais pontos do acordo.
Welber Barral
Por que o acordo demorou tanto tempo para ser concluído?
Chegou-se a um consenso em 2019, mas depois muita coisa aconteceu. Um ponto importante é que a União Europeia sentiu necessidade de discutir melhor a questão ambiental, até por pressões internas de alguns países com agricultura protegida, como a França.
Outro fato importante é a eleição do presidente Trump. Uma das promessas de campanha de Trump foi aumentar em até 10% os impostos de importação, inclusive de produtos vindos da Europa. Hoje, os Estados Unidos são o maior destino das exportações europeias. Nesse cenário, ficou mais interessante fechar o acordo com o Mercosul.
E o que mudou em relação ao aspecto ambiental do acordo?
Foi feito um anexo sobre desenvolvimento sustentável, com cláusulas como condições melhoradas de acesso ao mercado europeu de produtos sustentáveis do Mercosul. O documento também reforça a necessidade de respeitar acordos internacionais. Caso algum país saia do Acordo de Paris, por exemplo, o acordo pode ser suspenso.
Quais serão os próximos passos para que o acordo possa ser ratificado?
Agora, o acordo passará por uma revisão jurídica e tradução para todas as línguas dos países envolvidos, o que deve levar um ano. Depois, precisará ser aprovado pelo Conselho Europeu e, posteriormente, pelo Parlamento Europeu. A França deve tentar barrar o acordo. Para que ele seja aprovado no Conselho Europeu, precisa ter o apoio de pelo menos 55% dos países.
Se quatro países que representam pelo menos 35% da população da União Europeia forem contrários, o acordo pode ser barrado. A Polônia, com uma agricultura protecionista, está alinhada à França, enquanto a Alemanha e Espanha lutam pela aprovação do acordo. Eu sou otimista.
O Mercosul precisou fazer concessões sobre as exportações agrícolas?
Sim. O capítulo agrícola foi o mais difícil devido a questões protecionistas de alguns países europeus. Alguns produtos agropecuários do Mercosul não terão livre acesso ao mercado europeu. Haverá cotas de exportação. E em alguns casos, como da carne bovina, continuará a ser paga uma tarifa para o produto entrar no mercado europeu. Esse imposto deve ser de 7,5%, diante de cerca de 40% do atual.
É bom lembrar que as cotas de exportação representam um volume muito pequeno do consumo dos europeus. Para o pecuarista do Mercosul, a vantagem é que o mercado europeu é premium, especialmente em relação a carnes, e paga mais. E para muitos produtos do agro, como café e frutas, haverá tarifa zero.
As tarifas serão reduzidas gradualmente, não?
Sim, a isenção tarifária sobre a comercialização de produtos entre os dois blocos chegará a cerca de 90%, com uma redução gradual que pode levar até 15 anos. Não é de uma hora para outra. Devemos pensar em um horizonte de vinte anos para o acordo estar totalmente implementado, porque ainda precisa passar por muita coisa. O lado bom é que isso pode abrir uma série de oportunidades de longo prazo, inclusive para produtos agrícolas que hoje não são tão representativos na balança comercial.
O Brasil vem investindo em novos cultivares com bom potencial de crescimento. O trigo tropical, fruto de pesquisas da Embrapa, é um bom exemplo. Podemos pensar também em frutas e uma série de produtos, incluindo aqueles da agricultura sustentável da região Norte, cuja demanda pode crescer.
Fonte: Comex.
Produtos como o biodiesel podem representar boas oportunidades de exportação no longo prazo?
Primeiro temos que abastecer o nosso mercado interno e cumprir o aumento da mistura do biodiesel no diesel, como manda a Lei do Combustível do Futuro, mas pode sim. O acordo com a União Europeia é muito amplo e não deixa nada de fora. Em um horizonte de longo prazo, pode haver oportunidade para exportação de biodiesel, cuja produção vem aumentando. O tratado de livre comércio também inclui compras governamentais, cooperação técnica e científica, o que deverá ser muito benéfico.
Fonte: Abiove.
O que os países do Mercosul devem ganhar com o acordo em relação às importações de produtos europeus?
Vamos ter um acesso mais amplo a itens como máquinas, equipamentos, insumos farmacêuticos e produtos químicos, por exemplo, que terão tarifa zero ou uma redução tarifária considerável. Para máquinas, será tarifa zero. É importante lembrar que o acordo também representa um incentivo para empresas europeias investirem no Brasil, o que é muito positivo para a economia.
Em relação aos demais acordos de livre comércio que estão sendo negociados, quais têm mais chance de serem assinados?
O Mercosul está avançando na negociação com os Emirados Árabes, que são um hub importante de distribuição no Oriente Médio. O Brasil já tem uma participação importante na venda de frango para os Emirados e eles têm um plano forte de investimento no Brasil, inclusive para produzir biodiesel. Esse acordo deve sair rápido.
Também iniciamos um diálogo com o Vietnã e estamos negociando com o Canadá, mas esse acordo deve demorar mais devido principalmente a questões relacionadas ao protecionismo da agropecuária canadense. De qualquer forma, a assinatura do acordo com a União Europeia é muito importante para estimular outros blocos econômicos e países a seguirem o mesmo caminho. A tendência é que outros países também queiram garantir um acesso facilitado ao mercado brasileiro, que é o maior da América Latina, e olhem com mais carinho para possíveis acordos comerciais com o Mercosul.