Pontos Principais
Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, estão se tornando mais comuns. Isso representa um dos maiores desafios do agronegócio. Novas pesquisas sobre adaptação de culturas podem ajudar a minimizar o problema.
Mudanças Climáticas Aceleram Pesquisa Agrícola
O agronegócio brasileiro é conhecido por sua produtividade há muito tempo, se destacando como um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Mas à medida que os impactos das mudanças climáticas se intensificam, vai ficando mais claro que a produtividade por si só não vai garantir o futuro do setor. O aumento das temperaturas, a mudança nos padrões de precipitação e o crescimento alarmante de eventos climáticos extremos – incluindo secas, inundações e tempestades severas – estão transformando a indústria agrícola no Brasil.
Conforme destacado em nosso artigo recente, as recentes enchentes no Rio Grande do Sul devastaram 70% do estado, causando mais de R$ 1,3 bilhão em perdas ao agronegócio e impactando severamente as colheitas de soja. Esse evento sublinha uma tendência mais ampla: os eventos climáticos extremos no Brasil aumentaram 162% na última década, contribuindo para perdas de R$ 50 mil milhões nos principais estados agrícolas e uma queda de 8,7% nas receitas do agronegócio brasileiro só em 2022.
Em algumas regiões, como o Oeste da Bahia, isso já está acontecendo. Regiões que eram adequadas para uma determinada cultura podem deixar de ser e o inverso também pode acontecer. O cenário de riscos climáticos está sendo remodelado.
Fonte: Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Regional
Com secas prolongadas no Centro-Oeste e chuvas intensas no Sul, essas mudanças colocam em risco culturas essenciais como soja, milho e cana-de-açúcar. Por isso, pesquisadores brasileiros e líderes do agronegócio estão desenvolvendo, em ritmo de urgência, soluções resilientes para o clima – desde variedades melhoradas de culturas até ferramentas avançadas de gestão do solo e de mapeamento de riscos.
Para explorar as estratégias do Brasil para mitigar esses desafios, conversamos com Clenio Nailto Pillon, Diretor Executivo de Pesquisa e Inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que compartilhou insights sobre as inovações vitais em andamento para fortalecer a agricultura brasileira contra um clima cada vez mais volátil.
Clenio Nailto Pillon, da Embrapa. Foto: divulgação.
Como a agenda de biodiversidade se encaixa na estratégia de crescimento da agricultura brasileira?
A Embrapa atualizou o plano diretor no ano passado. Alguns pontos reforçam questões que já estavam presentes, como a atenção às mudanças climáticas, e há vertentes novas, como a saúde única. Esse pilar olha para a saúde da agricultura em conjunto com a saúde humana e o meio ambiente, já que está tudo interligado. A degradação de habitats e as mudanças climáticas podem favorecer, por exemplo, o aparecimento de doenças.
Nesse sentido, a agenda da bioconservação é estratégica, incluindo grandes culturas como grãos. A ideia é seguir a trajetória de aumento de produtividade com investimentos em biotecnologia e adaptação de cultivares às mudanças climáticas.
Fonte: Conab.
Para que a produtividade continue aumentando, será preciso investir mais na adaptação de culturas às mudanças climáticas?
Isso é muito importante. Na agricultura, o estresse causado pelas altas temperaturas e pelas mudanças no regime de chuvas já é perceptível. Estamos utilizando recursos como a biotecnologia e a edição genética para adaptar as culturas a fenômenos climáticos extremos. Há, por exemplo, pesquisas sobre a tolerância de cultivares de soja ao estresse causado por enchentes.
Temos um olhar especial para grandes culturas como soja, milho e cana-de-açúcar. Em relação à cana-de-açúcar, desenvolvemos um estudo sobre variedades irrigadas em regiões com disponibilidade hídrica baixa ou irregular, como o semiárido brasileiro, que tem potencial para o cultivo. Também realizamos pesquisas sobre irrigação de cana-de-açúcar no Cerrado, onde o estresse causado pela deficiência hídrica está aumentando.
Adaptar culturas a períodos mais intensos de secas e enchentes é um dos maiores desafios atuais?
Estamos buscando uma maior tolerância das culturas a esse tipo de evento climático e ao aumento da temperatura média, que também influencia a agricultura. Estima-se que o Centro-Oeste vai experimentar períodos de seca cada vez mais intensos, enquanto o Sul vai passar por eventos de chuva mais extremos. Precisamos de culturas que sejam mais resilientes a essas condições.
Fonte: Serviço Geológico Nacional.
Há outras estratégias capazes de combater os efeitos das mudanças climáticas?
Uma das mais importantes é o manejo correto do solo e da água. Temos estudos e publicações, por exemplo, sobre manejo e conservação do solo e da água no sistema plantio direto no Cerrado e em outros biomas. O Brasil possui 35 milhões de hectares nesse sistema, o que contribui para a conservação do solo, e o objetivo é avançar nessa agenda. Isso nos ajuda a conviver com períodos de seca e chuvas excessivas.
E de que forma o zoneamento agrícola de risco climático está sendo aprimorado?
Estamos incorporando os tipos de manejo adequado, como o plantio direto e sistemas agroflorestais, que permitem uma maior resiliência aos riscos climáticos. Com isso, vamos conseguir prever melhor qual é o impacto dos períodos de déficit hídrico sobre a produtividade de diversos cultivos, evitando ou minimizando perdas. É importante lembrar que o zoneamento agrícola é uma ferramenta que define os períodos de plantio mais adequados para cada cultura e região do país.
Fonte: Ministério da Agricultura.
As mudanças climáticas já estão afetando os períodos de plantio?
Em algumas regiões, como o Oeste da Bahia, isso já está acontecendo. Regiões que eram adequadas para uma determinada cultura podem deixar de ser e o inverso também pode acontecer. O cenário de riscos climáticos está sendo remodelado.
Outro ponto sensível da agricultura brasileira é a dependência da importação de fertilizantes. Como essa questão está sendo endereçada?
Essa questão é fundamental. O Brasil importa dezenas de milhões de toneladas de fertilizantes. Em relação ao potássio utilizado na fabricação de fertilizantes, importamos mais de 80% do que utilizamos. O país tem segurança alimentar, mas não tem soberania alimentar por causa disso.
Fonte: Comex.
A Embrapa fechou uma parceria com a Petrobras em setembro para desenvolver, entre outras coisas, fertilizantes mistos químicos e à base de ureia. A ideia é começar a fabricar ureia em 2025.
Também estão sendo realizadas análises de rochas com potencial para uso agrícola. São rochas que podem ser utilizadas na agricultura para fornecer nutrientes e tendem a ser encontradas em áreas de mineração. Existe um grande banco de dados de rochas com potencial para uso agrícola. A Embrapa está analisando esses materiais para fazer uma avaliação de eficiência agronômica. Algumas rochas são fontes de potássio, outras de magnésio. Também estamos realizando testes de campo para testar essas matérias-primas.
O desenvolvimento de biofertilizantes também é importante para reduzir a necessidade de importação de insumos?
Sim, e temos tido avanços nessa agenda. Desenvolvemos uma tecnologia, em parceria com uma empresa privada, baseada em bactérias que aumentam a solubilização de fósforo no solo. Com isso, há uma redução da necessidade do uso de fósforo. Também estamos desenvolvendo inoculantes à base de microrganismos que ajudam a fixar o nitrogênio no solo. Até 2050, devemos reduzir pela metade a importação de fertilizantes. Estamos trabalhando para tornar a agricultura brasileira mais resiliente.