Um novo mês, um novo recorde. Mesmo em um ano marcado por quebra da safra de soja, essa tem sido a rotina das exportações brasileiras de farelo em 2022. Dados divulgados na semana passada pelo Ministério da Economia mostram que em julho o Brasil embarcou 1,979 milhão de toneladas do produto, volume ligeiramente acima do 1,935 milhão de toneladas de julho do ano passado e, ainda que por uma pequena diferença, novo recorde para o mês. No acumulado de janeiro a julho, as exportações brasileiras de farelo somam 12,4 milhões de toneladas, com aumento de 24% sobre o mesmo período de 2021 e de 20% sobre o recorde anterior, feito em 2018.
No caso do óleo de soja, as 221 mil toneladas exportadas em julho de 2022 não foram recorde para o mês, mas atingiram o maior nível desde 2010, levando o acumulado do ano a 1,495 milhão de toneladas, maior volume desde 2005, quando o uso de biodiesel se tornou obrigatório no Brasil, impulsionando a demanda doméstica e resultando em queda gradativa nas exportações até 2020, quando a mistura diminuiu.
Eu já escrevi algumas vezes neste espaço sobre os motivos que explicam o forte ritmo das exportações brasileiras de farelo e óleo de soja em 2022. Em resumo, são eles: redução das exportações de outras origens, como EUA, Ucrânia, Indonésia e Argentina; alta dos preços em Chicago e dos prêmios de exportação do Brasil devido ao aumento da demanda pelos produtos brasileiros; melhora das margens de esmagamento no Brasil; redução das exportações de soja em grãos, devido à perda de fôlego da demanda chine a; e diminuição do consumo doméstico brasileiro por conta de mudanças no programa de biodiesel e da desaceleração da demanda por carnes.
Além disso, Walter Cronin tem explicado com raro didatismo a firmeza dos preços do farelo de soja na Bolsa de Chicago e sua relação com o cenário de oferta apertada nos EUA, que abre espaço para o Brasil exportar mais.
Mas o forte desempenho das exportações brasileiras de farelo e óleo de soja em 2022 tem gerado algumas perguntas. Seguem as principais e algumas considerações sobre elas:
1. O aumento das exportações brasileiras faz parte de um plano nacional para expandir o esmagamento e reduzir as exportações de soja em grãos, adicionando mais valor às exportações brasileiras?
Não. O aumento é apenas conjuntural e explica-se pelos fatores citados acima. Não há, nem por parte do governo, nem por parte da indústria esmagadora ou dos produtores de soja, um movimento coordenado para aumentar a produção e a exportação dos subprodutos. Tanto, que nos últimos anos praticamente não houve aumento da capacidade instalada de processamento de soja no país, e o esmagamento maior observado este ano ocorre graças ao uso de capacidade ociosa.
O crescimento do esmagamento neste ano, aliás, deve ser de 500 mil toneladas – um incremento anual de mero 1% e que só é possível, num ano marcado pela quebra por estiagem da safra 2021/22, pela redução das exportações de soja em grãos, que é resultado, por sua vez, da demanda mais fraca por parte da China. Com avanço tão pequeno no esmagamento, a produção de óleo de soja deve avançar apenas 1,7% no ano, enquanto a de farelo sobe somente 0,6%, segundo estimativa da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Por isso, o grande aumento na exportação dos dois produtos só tem sido possível devido ao consumo interno menor.
2. O Brasil firmou-se, nos últimos anos, como o principal exportador mundial de soja em grãos, superando os EUA. A tendência é de que o país também se torne o maior exportador de farelo de soja, tirando o posto da Argentina?
Não, ou pelo menos não tão cedo. Na atual temporada 2021/22, pelos números do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a Argentina detém 41% das exportações mundiais de farelo de soja, seguida pelo Brasil (27%) e pelos EUA (18%). Na década de 1980, o Brasil chegou a ser origem de 35% a 40% do farelo exportado no mundo, mas a partir dos anos 1990 sua participação caiu devido à Lei Kandir (que isentou de ICMS as exportações de soja em grãos, mas não as dos derivados) e ao aumento do consumo interno para alimentar sua pujante produção de carnes. Nos anos seguintes, o forte crescimento da demanda da China por soja em grãos, para processamento nas indústrias chinesas, também foi decisivo para que o esmagamento de soja não crescesse tanto no Brasil.
Na Argentina, por outro lado, o modelo tributário tradicionalmente favoreceu a exportações dos derivados de soja, que pagavam um imposto de exportação menor que o incidente sobre o grão até recentemente, quando o imposto de 33% passou a valer para os três produtos do complexo. O aumento da alíquota para os subprodutos tem prejudicado o esmagamento argentino nos últimos meses e pode resultar em nova queda na área plantada com soja na safra 2022/23, que começa a ser semeada em outubro, especialmente se a estiagem dificultar o plantio do milho, que começa antes.
Na safra 2021/22, a Argentina plantou sua menor área de soja em 15 anos, pressionada pela competição do milho, produto que atualmente tem imposto de exportação de 12% e que chegou a ficar isento do tributo durante boa parte da presidência de Mauricio Macri (2015-2019). Com a redução de área, a produção de soja da Argentina diminuiu e, com ela, caiu também sua fatia na exportação mundial de farelo, que recuou de 48% na temporada 2016/17 para 41% no ciclo 2021/22.
Mesmo assim, é pouco provável que o Brasil tome da Argentina, no curto prazo, o posto de maior exportador mundial de farelo. Embora o crescimento da área e da produção brasileira de soja previsto para os próximos anos vá obrigar o país a buscar alternativas de demanda para tanto produto (a China, apesar de muito importante, já não parece capaz de absorver todo o crescimento brasileiro), e ainda que, por conta disso, as exportações brasileiras de farelo tendam a aumentar, o mais provável é que o incremento da produção e da exportação de carnes pelo Brasil absorva parte significativa desse excedente.
Além disso, os EUA também poderão aumentar sua participação nas exportações de farelo nos próximos anos, para escoar o excesso de produção que tende a resultar do maior uso de óleo de soja para produção de diesel renovável. Assim, o que pode acontecer já nos próximos anos é um mercado de farelo mais competitivo, com Brasil e EUA exportando mais, mas sem tirar da Argentina o posto de primeiro exportador.
3. E no óleo de soja, o Brasil tem chance de se tornar o principal exportador mundial nos próximos anos?
Não. O Brasil só está exportando mais óleo de soja em 2022 porque a redução da mistura obrigatória de biodiesel para 10% (contra previsão original de 13% em 2021 e 14% em 2022) criou um excedente de produto que, felizmente para a indústria processadora do país, tem sido demandado pelos principais consumidores mundiais, especialmente a Índia.
Havendo um retorno ao aumento gradativo da mistura de biodiesel, conforme se espera, e ocorrendo também a adoção do diesel renovável, como já vem acontecendo nos EUA, a exportações brasileiras de óleo de soja devem voltar a cair, como já vinha acontecendo até a decisão do governo de reduzir a mistura, em 2021. Com Brasil e EUA voltados para atender seus respectivos mercados domésticos de biocombustíveis, a Argentina provavelmente vai ampliar sua fatia na exportação mundial de óleo, que já foi de 57% e atualmente é de 44%.
Em resumo, no que depender de seus concorrentes Brasil e EUA, a Argentina tende a continuar dominando as exportações de farelo e óleo de soja nos próximos anos. Ela só perderá espaço significativo no cenário mundial se seu governo continuar dificultando a produção e a exportação.