Pontos Principais
- Seis países vão aderir ao bloco em janeiro de 2024, entre eles Arábia Saudita e Argentina.
- O BRICs expandido deverá representar 37% do PIB global e 32% da área do planeta.
- Intercâmbio agrícola e investimentos em energia renovável e logística devem crescer.
Depois de anos de discussões e muita conversa nos bastidores, o novo BRICS, com mais seis países, será oficializado em 1º de janeiro de 2024, com repercussões para o comércio global. O BRICS expandido, com a Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, deverá representar cerca de 37% do PIB global, 32% da área do planeta e quase a metade da população mundial. Hoje, o bloco (com o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) responde por um quarto do comércio internacional e cerca 26% economia global, com destaque para a China e a Índia.
Fonte: Federal Reserve (FRED) St. Louis
No agronegócio e em outras áreas, o novo BRICS deverá ganhar bastante terreno. Na última década, a o intercâmbio agrícola entre os países do bloco se expandiu fortemente. O comércio de alimentos entre os atuais países do bloco somou cerca de US$ 588,3 bilhões em 2021, 128% a mais do que em 2010.
A chegada da Argentina ao BRICS deverá expandir a força do agronegócio no bloco. Historicamente, a Argentina é a maior exportadora global de óleo e farelo de soja processados (o país deve perder a liderança mundial neste ano em função de uma seca prolongada, mas estimativas indicam uma recuperação em 2024). Enquanto isso, o Brasil continua firme e forte na posição de maior exportador de grãos e açúcar e do maior parceiro comercial da China.
Fonte: USDA
Mas a novidades não se limitam às exportações. O bloco também deverá contar com grandes importadores. Um bom exemplo é a Arábia Saudita, a maior economia do mundo árabe. No ano passado, o país importou cerca de US$ 3 bilhões em alimentos, 23% a mais do que em 2021, segundo o USDA. Até 2030, os investimentos na indústria de processamento de alimentos saudita devem superar US$ 70 bilhões, tornando o país o maior player do setor na região.
Nesse cenário, a expansão do intercâmbio agrícola, inclusive com parcerias técnicas e científicas, é mais do que esperada. Também são esperados novos investimentos em áreas como infraestrutura de transportes, essencial para o aprimoramento da logística de exportações.
O setor de energia, com destaque para fontes renováveis, também deve passar por uma nova fase de expansão, especialmente com investimentos da China no Brasil e parcerias entre os demais países do bloco. Países como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estimam que pelo menos 44% de sua matriz energética seja oriunda de fontes renováveis até 2050.
Intercâmbio agrícola entre países do BRICS deve aumentar. Foto: iStock.
Mas também há desafios. Em um contexto global complexo do ponto de vista econômico e geopolítico, o novo BRICS poderá ganhar um contorno de contraposição à dinâmica dos países ocidentais. Não é segredo, por exemplo, que a China e outros membros do BRICS discutem a criação de uma moeda única e do uso do yuan, a moeda chinesa, para trocas comerciais.
Para discutir o impacto do novo BRICS na agenda mundial, conversamos com Hsia Hua Sheng, professor de finanças corporativas internacionais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP). Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Hsia Hua Sheng, professor da Fundação Getúlio Vargas. Crédito: divulgação/Fundação Getúlio Vargas.
Como o novo BRICS deverá afetar o comércio internacional e o agronegócio?
O BRICS atual já tem um peso bastante grande em relação ao PIB global. Os novos países que vão entrar no bloco são uma adesão muito importante, até do ponto de vista geográfico. O Oriente Médio é um elo da rota comercial entre o Brasil e a China. Além disso, os novos países membros têm um potencial de energia renovável muito grande, especialmente em termos de energia solar e eólica. O novo BRICS também será um grande bloco de consumidores e produtores de alimentos. A inovação tecnológica e a transição para economia verde também deverão ganhar impulso.
A China já vem investindo em energia renovável no Brasil, certo? Os investimentos deverão aumentar?
A China vem fazendo isso no Brasil e em outros países que vão formar o novo BRICS. Há uma parceria grande entre a China e o Oriente Médio. Os países do Oriente Médio e especialmente aqueles que são os novos membros do BRICS têm parcerias técnicas com a China, Rússia e Índia. No Brasil, também há um grande potencial em relação a fontes renováveis, com destaque para o hidrogênio verde. Existem objetivos comuns bastante claros entre os novos membros do BRICS sobre energia renovável. Há inclusive diretrizes de realizar investimentos e cooperação conjunta no setor.
Qual deve ser o papel estratégico do Brasil no contexto do BRICS expandido?
O Brasil é muito importante tanto do ponto de vista econômico e geográfico. Pensando especificamente sobre os setores de energia, agropecuária e biodiversidade, o Brasil é o país mais importante do bloco. Há a questão da segurança alimentar também, já que o Brasil é um grande fornecedor de alimentos para a China.
Fonte: Comex.
Um dos objetivos do novo BRICS é incrementar a infraestrutura de transportes nos países membros?
Sim. Tem saído notícias nesse sentido no Oriente Médio e realmente a região está desenvolvendo matrizes como o transporte aéreo e ligação por trem. Há parcerias entre alguns países do Oriente Médio e do Norte da África com a China para projetos de trens de alta velocidade. Também há iniciativas de transportes de cargas que facilitam a ligação da região com a Europa, o restante da Ásia e a Rússia.
Em relação ao agronegócio, o Brasil pode exportar produtos com maior agregado para a China e outros países do bloco?
A ideia de que o Brasil só vende commodity é algo que está ficando no passado. Hoje, grandes empresas brasileiras, como JBS e Marfrig, estão procurando fazer venda direta na China, para consumidores finais ou empresas. Isso está acontecendo inclusive em relação à soja, que já começa a ser vendida para distribuidores locais e não só grandes tradings.
E como as exportações brasileiras para a China podem evoluir?
No futuro, é possível que o Brasil participe da indústria esmagadora de soja da China por meio de investimentos diretos. O mercado de celulose é outra grande linha de agronegócio que vem migrando para produtos vendidos diretamente para o consumidor chinês em um contexto de baixo carbono, com produtos que são fruto de reflorestamento. Não são produtos elementares. As empresas brasileiras têm inovado e têm ajudado empresas na China a mudar a forma de produzir para poder atender metas de descarbonização. E, com isso, a rentabilidade das empresas brasileiras aumenta. Há um prêmio para esses produtos.
Por fim, como você avalia a questão da possibilidade de criação da moeda comum do BRICS? Isso pode se concretizar?
Existe uma tendência muito clara de regionalização de blocos comerciais, até em função da reorganização da ordem econômica global. Além disso, há o enfraquecimento do dólar por uma série de razões. Os Estados Unidos têm um déficit público elevado, uma taxa de juros alta e há também a questão geopolítica, já que o país tem usado o dólar como uma forma de sancionar os países. Tudo isso ajuda a enfraquecer a moeda.
Mas o comércio global vai continuar crescendo. No contexto que mencionei, as moedas regionais têm ganhado força. Entre os países do BRICS, a moeda mais internacionalizada, até em função de sua importância no comércio global, é o yuan, da China. Mas o dólar deverá continuar a ser usado. A moeda chinesa deverá ser algo complementar ao dólar. E é bom lembrar também que há oferta de crédito atrelado ao yuan, o que ajuda a moeda chinesa. Hoje, o yuan já é a segunda moeda mais utilizada no comércio internacional.