Pontos Principais

O país deu um grande passo ao aprovar a lei que regulamenta o mercado de carbono. Agora, o governo se prepara para definir as regras de funcionamento do setor e metas de descarbonização, o que deverá abrir oportunidades para setores como o de biocombustíveis e energia renovável.

Regulamentação Cria Oportunidades de Negócios

Depois de aprovar a lei que regulamenta o mercado de carbono, no final do ano passado, o Brasil se prepara para criar os mecanismos necessários para que o sistema entre em vigor, o que deverá levar alguns anos. O mercado já começa a se movimentar para participar das discussões e aproveitar oportunidades de negócios. 

O salto nas negociações de créditos de carbono deverá ser gigantesco. O país deverá sair de uma movimentação de USD 1 bilhão por ano em títulos de carbono para USD 50 bilhões em 2030, segundo o Ministério da Fazenda. Serão mais de 30 milhões de créditos negociados por ano, 10 vezes o volume atual. 

Fonte: FGV.

Hoje, os créditos de carbono são comercializados no mercado voluntário, não estando sujeitos a obrigações legais ou monitoramentos periódicos, o que reduz o ritmo de negociações e o valor dos ativos.  

Candidatos naturais à emissão de créditos de carbono, setores como o de biocombustíveis, energias renováveis e bioinsumos já estão de olho nas oportunidades. Mas há, ainda, desafios a serem superados, entre eles a criação de uma ampla base de dados governamental para a análise das emissões de CO2.

Conversamos sobre esse tema com Matheus Soares, sócio de energia, sustentabilidade e relações governamentais do escritório Barral Parente Pinheiro Advogados. 

Matheus Soares

Qual será o passo a passo para a estruturação do mercado de carbono?

O governo definiu um cronograma para a implantação gradual das medidas necessárias para estruturar o mercado. O primeiro passo é a criação do órgão gestor que será responsável por fazer com que o Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões (SBCE) seja implementado. 

O SBCE irá definir as regras e a governança da emissão e comercialização de créditos de carbono. Também será criado um órgão regulador, que terá uma série de atribuições complexas. A estruturação desse órgão, que ainda não tem nome, deverá levar de um a dois anos.

Quais serão as principais atribuições do órgão regulador? 

São diversas atribuições. Um dos maiores desafios será definir quais setores serão regulados e de que modo será feita essa regulamentação. Podemos pensar que setores como o de mineração e siderurgia, por exemplo, que certamente emitem mais de 10 mil toneladas de CO2 por ano, serão regulados e precisarão obedecer a regras específicas de descarbonização. Os setores regulados precisarão apresentar relatórios de emissão e esforços de descarbonização, entre outras coisas.

Source: IPCC

Alguns vão precisar compensar suas emissões adquirindo créditos de carbono. Setores que emitirem muito mais do que o limite definido em lei irão demandar uma métrica específica de redução anual das emissões. É preciso definir todos esses parâmetros, o que é uma tarefa complexa. 

Vale lembrar que esses setores têm recursos para dar conta dessas obrigações, mesmo que precisem adquirir créditos de carbono para compensar as emissões. Um bom exemplo é o setor de óleo e gás, que tem capital para investir em descarbonização. E as empresas terão tempo para se preparar para essa transição.

Vai levar um tempo até o mercado de carbono ser estruturado?

Sim. Podemos imaginar um horizonte de quatro a cinco anos, de acordo com o cronograma do próprio governo. Até lá, as empresas já estarão mais preparadas para lidar com a nova governança de descarbonização no Brasil. 

Por que vai levar alguns anos para estruturar o mercado?

Primeiro é preciso estabelecer o órgão regulador, o que deve levar dois anos. Também é necessário criar câmaras setoriais para discutir tudo isso que estamos falando. 

Depois, será definido como será feito o monitoramento e a verificação de emissões. Vai ser preciso criar uma grande base de dados e uma metodologia para que o governo possa analisar as emissões. 

Quais são os principais desafios desse processo? 

Deverão ser definidos limites de emissão por setor, com parâmetros específicos para a redução de emissões. Haverá um cronograma gradual, de acordo com as características e possibilidades de cada setor. Tudo isso será definido pelo governo em conjunto com representantes da iniciativa privada, principalmente da indústria, que deverá ser o setor mais impactado pelas novas medidas. 

Já estão acontecendo reuniões setoriais para se chegar a um consenso. A parte técnica, de avaliação das emissões, também é complexa. Estamos falando de uma imensa base de dados que precisará ser construída, assim como sistemas de análise e verificação das informações. 

O governo também deverá monitorar as emissões de crédito de carbono? 

Sim. A ideia é que haja um acompanhamento do volume de emissões de créditos de carbono. Há alguns motivos para isso. Um deles diz respeito a questões de mercado. Não seria interessante inundar o mercado com créditos de carbono, o que faria o preço desses títulos cair. O ideal é que fiquem próximos aos valores praticados em mercados já estabelecidos, como o europeu. 

A ideia também é estimular as empresas a reduzir as emissões e não apenas compensá-las adquirindo créditos de carbono. Estamos falando de um plano para incentivar a descarbonização e atingir metas previstas no Acordo de Paris. 

Source: ICE

Em relação a oportunidades de negócios, quais setores deverão ser mais beneficiados? 

Há uma grande oportunidade, por exemplo, em relação à recuperação de áreas degradadas. São cerca de 100 milhões de hectares de terras que podem ser recuperadas e gerar créditos de carbono. O mercado de bioinsumos é outro candidato a gerar créditos, assim como o setor de energias renováveis e de biocombustíveis. Há países, como a Arábia Saudita e Emirados Árabes, que já estão olhando para o Brasil para compensar suas emissões de carbono. 

Esses países pretendem comprar créditos de carbono na B3, quando esse mercado estiver estruturado, ou têm projetos de descarbonização aqui no Brasil?

Alguns pretendem gerar créditos de carbono aqui para aproveitar as oportunidades do nosso mercado doméstico, que deve crescer muito. A Acelen Renováveis, empresa de energia criada pelo fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes, é um bom exemplo.

A companhia já anunciou investimentos de R$ 12 bilhões para a produção de diesel verde e SAF na Bahia e no norte de Minas. O interessante é que o projeto inclui a recuperação de 200 mil hectares de áreas degradadas, já levando em conta a possibilidade de emissão de créditos de carbono. 

Se o Mercosul fechar o acordo de livre comércio com os Emirados Árabes, que está em negociação, provavelmente haverá mais iniciativas como a da Acelen. Os tratados de livre comércio geralmente incluem clausulas de facilitação de investimento.

Os países europeus e de outras regiões do mundo têm revelado interesse pelos ativos de carbono brasileiros?

Com certeza. A Europa tem interesse nisso e temos clientes do Oriente Médio desesperados por esses ativos. São países que precisam compensar suas emissões e o Brasil é um candidato natural a ser um grande emissor de créditos de carbono devido a nossa biodiversidade e à sustentabilidade na geração de energia, combustível e gás, por exemplo.

A expansão de mercados como o de biocombustíveis é muito importante para a emissão de créditos de carbono. Agora, com a Lei do Combustível do Futuro, a nossa produção deverá aumentar significativamente. As possiblidades são muito interessantes.


Carla Aranha

Carla joined CZ in 2022 having previously worked at Exame and Valor, leading economic media outlets in Brazil, where she developed projects and news coverage focusing on the agribusiness and commodities markets. Carla is responsible for writing content, providing interesting article´s subjects and reports as well as producing press releases together with the marketing team.

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