Pontos Principais
- Com 66% da área de algodão dos EUA sob estresse hídrico, USDA faz corte drástico na produção 22/23
- Calendário mais tardio do Brasil permite que produtor amplie área diante de quebra americana
- Quase extinta na década de 1990, produção brasileira de algodão se reinventou no rastro do sucesso da soja e da safrinha
A seca que predomina em parte do cinturão produtor de algodão dos EUA – com destaque para o Texas, maior produtor da fibra no país – levou o USDA a fazer na semana passada um corte drástico na estimativa da produção americana na safra 2022/23, cuja colheita está para começar. A produção caiu dos 3,37 milhões de toneladas de pluma estimados em julho para 2,74 milhões de toneladas. O novo volume estimado representa recuo anual de 28% e é a menor produção de algodão dos EUA desde 2009/10.
Os produtores americanos aumentaram a área plantada com algodão em 11% nesta safra, para 5,05 milhões de hectares. Mas, com a estiagem, a expectativa do USDA é de que a área colhida seja de apenas 2,89 milhões de hectares. O abandono de 43%, se confirmado, será de longe o mais alto da série histórica do USDA, iniciada em 1960. Isso explica, junto com um pequeno corte na estimativa de produtividade, a redução na expectativa de produção na safra 2022/23.
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Embora o USDA também tenha feito cortes no consumo para acomodar a produção menor no quadro de oferta e demanda, a expectativa do órgão é de que os estoques finais de algodão na temporada 2022/23 dos EUA, que termina em 31 de julho do ano que vem, caiam para 392 mil toneladas, cerca da metade dos estoques da temporada 2021/22 e o menor volume, também, desde 1960.
Mais Espaço Para o Brasil Exportar
Mas o que o Brasil tem a ver com a produção menor de algodão nos EUA? Muita coisa. O Brasil é o segundo exportador mundial de algodão, atrás apenas dos EUA. Em seu relatório de agosto, o USDA não aumentou em relação aos números de julho a previsão de exportação do Brasil nem na temporada 2021/22, que está sendo colhida, nem na 2022/23, que será plantada a partir de dezembro, porque o órgão trabalha com um cenário de redução na demanda e nas importações mundiais da pluma, devido à desaceleração econômica.
Mas, havendo uma eventual melhora no cenário de consumo nos próximos meses, e considerando os estoques americanos muito apertados, é possível que o Brasil tenha espaço para ampliar sua fatia nas exportações mundiais.
Produção Reinventada
A história da produção brasileira de algodão é das mais interessantes e, nos últimos anos, tem se desenvolvido em estreita relação com a expansão da produção de soja. O Brasil produz algodão desde o século XVIII e assumiu posição importante na exportação mundial no início da década de 1860, durante a Guerra da Secessão nos EUA, para logo em seguida entrar em declínio. A produção brasileira oscilou entre períodos de avanços e retrocessos até sofrer um duro golpe no início da década de 1990, quando o governo facilitou a entrada de têxteis importados no até então extremamente fechado mercado do Brasil.
Sem conseguir concorrer com os produtos que vinham de fora, a produção brasileira de têxteis perdeu força e, com ela, a produção de algodão definhou, atingindo, na safra 1996/97, um dos menores volumes da história. Naquele momento, porém, o Brasil já iniciava uma mudança profunda que, na década seguinte, transformaria o mapa e as bases da produção de algodão no país.
Migração para o Cerrado
Na safra 1990/91, quando o Brasil produziu 717 mil toneladas de algodão em pluma, os estados do Paraná e de São Paulo dominavam a produção, representando 48% e 17% do total, respectivamente, seguidos de longe por Bahia (6%) e Mato Grosso (5%). Dez anos depois, na safra 2000/01, quando a produção havia subido para 939 mil toneladas (três vezes a produção de 1996/97), Mato Grosso já representava 57% da produção brasileira, seguido pelo vizinho Goiás (12%), Mato Grosso do Sul (7%) e Bahia (7%), enquanto São Paulo e Paraná caíram para 5% cada. Agora na safra 2021/22, cuja colheita está terminando, Mato Grosso foi responsável por 71% dos 2,737 milhões de toneladas produzidos no país, enquanto a Bahia produziu 20%, restando a São Paulo e ao Paraná as pequenas fatias de 0,5% e 0,1%.
O que aconteceu não foi apenas uma mudança no mapa, mas também uma transformação baseada em produção em escala e tecnologia para melhorar a produtividade e a qualidade da fibra brasileira. Na safra 1990/91, a produtividade média do Brasil era de 363 kg de pluma por hectare, contra 711 kg nos EUA. Dez anos depois, o rendimento do Brasil já estava em 1,101 kg por hectare, enquanto o americano estacionou em 709 kg. No ciclo 2021/22, a safra brasileira rendeu média de 1,633 mil kg por hectare, bem à frente dos 918 kg dos EUA.
Nesse meio tempo, enquanto se firmava como grande produtor e exportador mundial, o Brasil também venceu, na Organização Mundial do Comércio, uma disputa na qual os EUA foram condenados a limitar subsídios à sua produção de algodão e a pagar uma indenização de US$ 300 milhões ao Brasil e outros países produtores de algodão que se disseram prejudicados pelos subsídios americanos.
Sucesso no Rastro da Soja e da Safrinha
Não por acaso, a reinvenção da produção brasileira de algodão foi capitaneada já na década de 1990 pelo estado de Mato Grosso, maior produtor de soja do país. Além de ser usado na rotação de culturas, o algodão se tornou opção no estado por seu alto custo de produção, mais adequado a um modelo de produção dem larga escala já usado na soja, e ao seu maior valor agregado, que viabilizava a exportação mesmo com o grande custo logístico envolvido no escoamento da produção para os centros industriais do país e para exportação via porto de Santos (SP), a 2 mil km de distância.
Mais recentemente, com o sucesso do modelo de produção de milho na safrinha, logo após a colheita da soja, o algodão deixou de disputar espaço com a soja na safra de verão para ser plantado em janeiro e fevereiro, logo após a colheita da oleaginosa. Atualmente, quase 90% da área de 1,1 milhão de hectares dedicada ao algodão em Mato Grosso é de algodão safrinha. Na Bahia, onde o novo modelo de produção ganhou fôlego a partir de meados da década de 2000, o algodão não é produzido na safrinha por questões climáticas e de calendário, mas também é importante componente do modelo de produção que tem a soja como carro-chefe.
Calendário Ajuda
Segundo exportador mundial, atrás dos EUA e à frente da Índia e da Austrália, o Brasil tem a vantagem de começar o plantio de algodão em dezembro, quando as safras correspondentes dos EUA e da Índia já estão colhidas e a da Austrália já está praticamente toda semeada. Com isso, os produtores brasileiros têm mais tempo para tomarem sua decisão de plantio com base no impacto da safra americana nas cotações internacionais.
De Olho no Preços de 2023
Em maio, as cotações do algodão atingiram seu maior nível desde 2011 na ICE-NY, mas depois caíram com força, pressionadas pela onda de aversão ao risco que reduziu a posição comprada dos fundos de investimento em diversas commodities e pela piora na expectativa de consumo mundial da fibra devido à desaceleração econômica. O contrato dez/22 caiu da máxima US$ 1,3379 por libra-peso feita em 17 de maio para US$ 0,8254 em 15 de julho, num recuo de 38% em dois meses. Depois disso, o mercado passou a reagir, num movimento coroado na sexta-feira passada (12) pelo corte na produção dos EUA feita pelo USDA, que levou o dez/22 a US$ 1,0859, seu melhor nível desde 22 de junho.
Para a tomada de decisão do produtor brasileiro, porém, que já está com cerca de 70% da produção 2021/22 vendida, o importante são os contratos com vencimento em 2023, especialmente o jul/23 e o dez/23. Em meados de julho, o recuo do dez/23 para baixo da linha de US$ 0,70 por libra-peso assustou os produtores, e o recente retorno à linha de US$ 0,90 ainda não é garantia de aumento de área na safra 2022/23, cuja produção potencial está cerca de 30% vendida, de acordo com levantamento da AgRural.
ALGODÃO Gráfico Diário do Contrato Dez/23 na ICE-NY
Mas, mantendo-se o cenário climático desfavorável à safra dos EUA – que, além da seca, ainda tem que enfrentar a temporada de furacões durante a maturação e a colheita –, não se descarta uma área plantada ligeiramente maior no Brasil, e especialmente em Mato Grosso, onde o algodão e soja não disputam o mesmo espaço. Por isso, e havendo melhora no cenário da demanda, o Brasil poderá aumentar um pouco mais a sua fatia no abastecimento mundial de algodão, ainda que os EUA deva continuar no topo da lista dos principais exportadores.